Peculiaridades da formação social brasileira: O Brasil-nação como ideologia
Ao percorrer os debates sobre a formação social do Estado Brasileiro ocorridos desde o século XIX, uma questão tem apresentado desafios tanto às ciências sociais como à historiografia: a construção de identidade nacional. No nosso caso, o descompasso entre a criação do Estado e a formação da nação brasileira. Em épocas de crise, a chamada questão nacional tem mobilizado diversos intelectuais, que se voltam para uma tentativa de repensar a nação, esboçando lhe um sentido, dando-lhe alguma coerência.
Algumas representações têm sido mais vigorosas, mais frequentes ou hegemônicas, tais como "o motivo edênico", isto é, a visão paradisíaca do Brasil. Essa visão, presente desde a carta de pero Vaz de Caminha em 1500, foi expressa de modo exemplar por Sebastião da Rocha Pita, em História da América Portuguesa (1730), conforme está na nossa epígrafe.
A ideia de que o Brasil é o "gigante pela própria natureza", terra de um povo pacifico e ordeiro, sem revoluções, terremotos ou grandes rupturas, é igualmente parte desse grande mito sobre a identidade nacional - da mesma maneira que a ideia de sermos um povo formado pela mistura de três raças unidas por uma "democracia racial". Segundo Octávio Ianni, visto em uma perspectiva histórica ampla, o Brasil se revela uma formação social caleidoscópica, um arquipélago, uma espécie de
(...) labirinto de elementos culturais e étnicos, simultaneamente às diferentes formas de organização do trabalho e da produção. Essa é a formação social em que convivem formas de sociabilidade constituídas em distintas épocas e em diferentes regiões; regiões que por muito tempo, até meados do século XX, compunham uma espécie de arquipélago, em lugar de um país socialmente articulado. (Ianni, 2004, p. 160)
O ano de 1922 é, portanto, uma data carregada de dramaticidade e peso simbólico, com vários acontecimentos marcantes:
- centenário da Independência
- fundação do Partido Comunista do Brasil (PCB)
- fundação do Centro Dom Vital, de orientação católica
- Semana da Arte Moderna
Tais episódios demandavam, pelos intelectuais, uma nova narrativa da nação. O movimento modernista surgiu nesse contexto e, de certa forma, pode ser visto como a expressão de uma ruptura histórica, pois era como se a sociedade como um todo estivesse entrando em outro patamar, tendo por desafio compreender, esclarecer ou explicar a formação das sociedade brasileira. Era preciso recuperar as raízes do que teria sido o Brasil colonial, as peculiaridades do Brasil monárquico, as dificuldades e perspectivas do Brasil republicano (IANNI, 2004)
Modernidade:
Segundo o Dicionário do pensamento Social do Século XX, a modernidade é um conceito de contraste: extrai seu significado tanto do que nega como do que afirma, e seu dinamismo implica necessariamente conflito.
Estar sintonizado com esse espirito do tempo era, na verdade em abraçar a modernidade. Ao contrário das sociedades tr5adicionais, a sociedade moderna sente que o passado não tem lições para ela, seu impulso é constantemente em direção ao futuro, ao novo, às potencialidades transformadores do home, ainda que esse mesmo movimento ponha em risco todas as conquistas materiais, cientificas criadas em virtude da modernidade.
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Uma nação em busca de um conceito: ainda segundo o autor: "O Brasil ainda não é propriamente uma nação? (IANNI, 2004, p.199) embora possa ser um Estado nacional no sentido de um aparelho estatal organizado, abrangente e forte, que acomoda, controla ou dinamiza tanto estados e regiões como grupos sociais e classes sociais.
Esse aspecto contraditório é, na verdade, produto de uma situação paradoxal que se verificou, não apenas no Brasil, sendo extensiva às outras Nações do Novo Mundo. É que diferentemente das nações Europeias, "cuja estratégia fora a de estreitar os vínculos com um passado tanto mais glorioso do que remoto, na América a independência significou o rompimento politico com metrópoles que eram importantes identitárias" (Costa, 2008, p.4). Ou seja, os países americanos não podiam, ao mesmo tempo em que rompiam com suas metrópoles, renunciar a sua ligação com o mundo europeu do ponto de vista cultural e político, tampouco afastar-se do sistema mundial de Estado-nação, mas teriam que pertencer a ele de outra maneira.
No caso brasileiro, o paradoxo do processo de independência foi mais complexo, pois a manutenção da unidade territorial do domínio português correspondeu muito mais a uma visão da antiga metrópole que a uma demanda dos colonos, ao contrário do que aconteceu no restante do continente sul-americano. A América Espanhola se fragmentou em tantos países independentes quantas eram as suas antigas subdivisões administrativas coloniais. Além disso, enquanto aqueles países experimentavam processos mais ou menos intensos de fragmentação territorial, formação de lideranças locais e instabilidade politica embora com maior mobilização popular, o Brasil assistiu um processo de redução do conflito nacional, juntamente com a limitação da mobilidade social e da participação política. O resultado foi que o Estado Brasileiro se constituiu como uma espécie de "Flor exótica" no contexto latino-americano ao manter-se, ao longo da maior parte do século XIX, como uma monarquia e um pais escravista ao lado de uma republica formalmente livre.
Tais questões estavam no cerne da reflexão e da ação politica de um personagem que, sendo funcionário de alto escalão do império Português, pela força das circunstâncias acabou ficando à frente do processo de independência do Brasil, em 1822: José Bonifácio de Andrade e Silva. O pensamento político e social de Bonifácio é exemplo de auto-organização e, portanto, dependente de um Estado forte. Nessa representação, a sociedade, o povo e a nação devem ser orquestrados, tutelados por esse ator político fundamental que é o Estado.
O tráfico negreiro e a escravidão eram muito mais do que simples heranças da era colonial: elas repercutiam diretamente sobre a ordem política da nova nação. O projeto civilizador de José Bonifácio pretendia viabilizar o novo país e precisava contar com a adesão, tanto dos proprietários da terra e dos escravos como dos traficantes. Entretanto, essa base de sustentação política, econômica e social que começava a ser posta em causa pelo contexto internacional, trazendo problemas quanto à legitimidade da nova nação.
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Motivos Ibéricos e a modernidade do Brasil
Outro conjunto de representações sobre o povo e a nação divergia dessa perspectiva progressista. Em geral, atribui-se a certas representações que avaliam positivamente a herança portuguesa e o legado colonial, ou ainda eu os consideram como ilustração inequívoca de uma cultura "genuinamente" luso-brasileira, o nome de iberismo.
Sinteticamente, podemos entender o iberismo como a valorização ou a recuperação das "raízes ibéricas" da nacionalidade brasileira, caminho trilhado por autores que desconfiavam
da possibilidade de a modernização das relações sociais, o liberalismo político ou o principio da representação política e mesmo da democracia serem adotados no Brasil, uma vez que essas instituições não correspondem à realidade das nossas tradições e costumes políticos. O iberismo pressupõe a ideias de que Portugal e Espanha n~/ao teriam sido formações culturais e políticas tipicamente "europeias" ou "ocidentais", mas regiões nas quais valores centrais do mundo moderno - como o individualismo, o contratualismo, o mercado, a competição, o conflito de interesses e a democracia burguesa - não teriam sido importantes no estabelecimento das tradições políticas. No lugar desses valores, o iberismo estabelece outros ideais para a sociedade, tais como a cooperação, a integração, o predomínio do interesse coletivo e comunitário sobre o individual, o personalismo, o patriarcalismo, etc. Pode-se dizer que o iberismo é uma tradição alternativa ao "Ocidente" anglo-saxão, puritano, calcado em uma ética do trabalho de matriz protestante (CARVALHO, 1991, p.89). Trata-se portanto de um tese antiliberal.
Um autor muito representativo dessa tradição foi Oliveira Vianna (1883-1951). Sua obra revela orientações comuns a vários intelectuais do período compreendido entre a Abolição da Escravatura e os primeiros anos da República Velha. Nesse contexto, muitos se debruçaram sobre a colonização portuguesa procurando os nexos fundamentais que constituíram a formação do páís. Diante da questão sobre se éramos ou não uma efetiva nação, Vianna refazia a pergunta sob dois registros diferentes: No que constitui uma nação? e, sobretudo, Quais as tarefas necessárias à sua constituição?
Ao lado de uma atitude fatalista e racialista, ponto comum do debate intelectual daquele contexto, Vianna superou alguns dos dilemas de seu tempo, apontando soluções mais "otimistas", por exemplo, a defesa da eugenia e do papel destinado às elites. Para Vianna, a imigração europeia seria a responsável pelo "embranquecimento" da população brasileira, e nesse sentido a miscigenação poderia ser orientada de uma forma eugênica.
Eugenia
A eugenia já foi considerada tanto uma ciência aplicada que buscava melhorar a herança genética da raça humana como também um movimento social que buscava popularizar os princípios e´práticas dessa ciência.
antes de sua apropriação pelos nazistas nos anos 1930, a eugenia desfrutou de amplo apoio, tanto em círculos liberais, quanto conservadores em inúmeros países, entre eles o Brasil, no final do século XIX e inicio do século XX.
Vianna criticou os pressupostos do evolucionismo de cunho darwinista, que concebia uma linha única para a humanidade, com povos superiores e inferiores. O autor descartava essa vertente universalistas ao acreditar em uma pluralidade de linhas evolutivas, nas quais as raças se desenvolveriam a partir de um conjunto de causas como o aspecto geográfico, a história, as instituições e a cultura. além do aspecto biológico. Desse particularismo Vianna conluia ser impossível uma perfeita integração interética: "cada agregado humano é hoje, para a crítica contemporânea, um caso particular, impossível de assimilação integral com qualquer outro agregado humano", e a atuação de todo complexo causal acabaria por promover "entre eles diferenças irredutíveis, mesmo entre os que vivem mergulhados na mesma atmosfera de civilização" (Vianna, 1933, p. 19-24). è que das diferenças de estrutura social, histórica, etc, surgiram diferenças sutis de mentalidade a que o autor denomina complexos. Uma decorrência fundamental dessa afirmação é a crítica à "Transplantação" das ideias e das instituições. A defesa que faz do realismo e da objetividade frente às soluções idealistas e liberais é dessa ordem Da ação poderosa de uma complexidade de agentes resultaria a singularidade de um povo e, portanto, a não intercambialidade de seus valores, modos de vida e, consequentemente suas instituições políticas.
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Modernismo e identidade nacional
As diferentes ideias de um Brasil moderno se tornaram ainda mais explicitas conforme determinadas regiões iam se industrializando e urbanizando, tornando-se cada vez mais complexas em sua estrutura social. Vivencia-se, ao menos nas regiões de pais mais sintonizadas com o capitalismo internacional, um novo ritmo: feérico, galopante, cosmopolita. Mas também explosivo, revelando novos mecanismos de exploração da força de trabalho e reproduzindo padrões históricos de desigualdade. Uma nova forma de compreensão igualmente se fazia presente, uma atitude mais condizente com esse espírito do tempo. O centro da vida nacional também se deslocava com o avanço do capital: do Nordeste (simbolicamente, Recife) para o Centro Sul (simbolicamente, São Paulo):Em certa medida, a realização da Semana da Arte Moderna em São Paulo, em 1922, simboliza a emergência de outras inquietações e propostas, que passarão a predominar. Mas o deslocamento não é nem rápido nem drástico. Alguns escritores revelam dúvidas, ambiguidades, vacilações, falha de clareza. Foi complicado esse processo de deslocamento do centro da vida nacional, desde o Nordeste até o Centro Sul, simbolizado por Recife e São Paulo (IANNI, 2004, p. 32)
Texto Complementar: Porque me ufano do meu país.
(Celso, 2002)
http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/ufano.html
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