terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

Avaliaçao Educacional - Avaliar com os pés no chão da Escola

 RECONSTRUINDO A PRÁTICA PEDAGÓGICA
NO ENSINO FUNDAMENTAL
 
Um Projeto institucional se identificando com os professores da escola pública

 
Prof Xavier Uytdenbroek

Depto Fundamentos Sócio Filosóficos da Educação
 
Em 1996, o Departamento de Extensão do SESU/MEC abriu uma pequena linha de financiamento para as Universidades do país que pretendiam investir em projetos, sejam de Ensino Fundamental, sejam de educação para jovens e adultos, sejam de educação à distância, sejam de produção de material didático.

No mês de maio de 1996, a Pró-reitoria de Extensão da UFPE convocou todos os centros da Instituição federal para montar um Projeto de grande relevância acadêmica e social, que tivesse a dimensão de Ensino, Pesquisa e Extensão e abrangesse de modo interdisciplinar todas as áreas de conhecimento contempladas no Ensino Fundamental.

Como o tempo era reduzido para pensar um Projeto desta natureza, redigi-lo e ter o consenso de todas as áreas que iriam participar do mesmo, um grupo de trabalho se reuniu e me pediu de elaborá-lo e coordená-lo. De imediato convidei a Profa Targélia Albuquerque, especialista em avaliação, para que juntos pudéssemos apresentar, sete dias depois, um Projeto para a Pró reitoria e os 12 professores da UFPE e da UFRPE, que já estavam de certo modo dispostos a colaborar. O projeto de intervenção versava na área de avaliação em séries iniciais de 18 escolas públicas da Região Metropolitana e tinha como ponto de partida e de chegada a situação concreta da sala de aula.

Após orientações e correções desses professores, mandamos para o MEC/SESU a nossa proposta, que foi aprovada no dia 21 de junho pelo comitê assessor do MEC em Brasília.

Vinte e cinco professores de onze áreas de conhecimento da UFPE e da UFRPE, após ter analisado e debatido a versão final, decidiram participar do Projeto. O mesmo foi cognominado de "Avaliar com os pés no chão da escola: reconstruindo a prática pedagógica no ensino fundamental". Foi o início de interação entre várias áreas do saber.

No seu parecer, o MEC apenas comentou a necessidade de uma participação mais ativa da SEE para o desenrolar pedagógico do Projeto. Essa foi portanto chamada para dar a sua contribuição competente em cada momento pedagógico do Projeto.

As etapas do Projeto foram desenvolvidas em quatro momentos que se articularam:

1º Momento: Planejamento e decisões preliminares

2º Momento: Investigação da prática pedagógica / Avaliação diagnostica

3º Momento: Programa de Formação Continuada




4° Momento: Vivências Sistematizadoras




1º Momento: Planejamento e decisões preliminares



O primeiro momento consistiu numa série de reuniões entre a equipe responsável pelo projeto e os representantes da Secretaria de Educação do Estado para apresentação do projeto, definição de parcerias e discussão/estabelecimento dos critérios de participação, considerando-se o atendimento do princípio da adesão espontânea.

Ficou acertado, como critério de participação, que o professor:

- esteja lecionando na 3ª ou na 4ª série; conheça o projeto; aceite os desdobramentos do projeto; tenha disponibilidade (ou seja liberado) no período da tarde; permita ser filmado, observado e entrevistado por bolsistas.

Quanto aos educadores de apoio e técnicos de ensino, coube à Secretaria de Educação indicá-los. Os compromissos firmados foram registrados numa carta de princípios assinada por representantes da Secretaria de Educação e da Universidade.

O processo seletivo dos candidatos bolsistas da Universidade consistiu na apresentação, pelos candidatos, de uma carta de intenções e entrevista. 20 (vinte) candidatas preencheram os requisitos necessário. Assim, para um conjunto de 20 participantes, tinha-se um total de 19 escolas.

Essa seleção foi realizada em dois dias consecutivos e constou de várias etapas: entrevista interativa; sistematização escrita; debate; entrevista em grupos menores. Em seguida, a avaliação foi feita a partir do confronto entre as produções escritas e as colocações orais dos candidatos, considerando aspectos tais como a desenvoltura comunicativa, clareza nas colocações e conhecimento do projeto.

O quadro de bolsistas foi o seguinte:

08 (oito) de Pedagogia; 03 (três) de Artes ( Música, Artes Cênicas e Artes Plásticas); 02 (dois) de Matemática; 02 (dois) de Ciências; 01 (uma) de Língua Portuguesa; 01 (uma) de Estudos Sociais; 04 (quatro) de Comunicação Social.

Para atender ao propósito de ter como observador da prática da professora, prioritariamente bolsista da área específica, o grupo foi distribuído de modo que os bolsistas de Língua Portuguesa, Matemática, Estudos Sociais e Ciências, juntamente com quatro (04) bolsistas de Pedagogia fizeram observações da prática de apenas uma (01) professora cada. Os demais de Pedagogia, cada um acompanhou duas (02) educadoras de apoio e os de Educação Física e Artes acompanharam em média duas (02) professoras cada.




2º Momento: Investigação da prática pedagógica / Avaliação diagnóstica



a) Os Círculos de Estudo

Os Círculos de Estudo tinham como objetivo a identificação dos problemas enfrentados pelo professor na sala de aula, no que diz respeito ao domínio do conteúdo, desempenho metodológico/didático e condução da avaliação escolar, tendo em vista o planejamento do processo de formação continuada nas diferentes áreas do conhecimento, previstas no projeto. Visava-se pois colher subsídios para a programação de "cursos sistemáticos de complementação pedagógica e de aperfeiçoamento profissional específico", além de "apoiar a efetivação de inovações na sala de aula".

Conforme o cronograma, foram realizados dois círculos de estudo (ambos no mês de agosto 96) com a participação de todos os segmentos envolvidos no projeto.

A análise das colocações feitas nesses encontros, registradas em atas elaboradas pelos bolsistas, permitiu a apreensão de alguns elementos que merecem ser considerados: a tendência de articular os problemas a fatores externos; a forte contradição autonomia x centralização; a reprodução das relações de poder (não apenas nas escolas, mas no próprio espaço dos círculos de estudo); a percepção dos professores de que os problemas da escola não são meramente pedagógicos; o reconhecimento de um espaço de autonomia; a culpabilização mútua; a tendência de apresentar a escola em sua negatividade (naquilo que ela não tem )

Na medida em que se conseguia avançar para o micro espaço da sala de aula, os problemas remontavam aos conflitos gerados pela distância entre o aluno concreto, real, e o aluno desejado e a ênfase recai nas dificuldades de lidar com situações conflituosas e problemas disciplinares.

Quanto às dificuldades ligadas ao ensino das áreas específicas, os problemas foram apresentados em termos de metodologia (como trabalhar...) , apesar de o fato da expressão vir acompanhada de um conteúdo específico poder ser um indicador da necessidade de aprofundamento temático-conceptual.

O levantamento das temáticas solicitadas, por se constituírem em dificuldades/necessidades dos professores foi objeto de discussão nos círculos de estudo, juntamente com as soluções alternativas.

Foram relacionadas, entre as dificuldades gerais:



Questões administrativo-estruturais:


inadequabilidade de espaço físico; ausência de material escolar; falta de equipamentos, acessórios, recursos financeiros; falta de apoio da Secretaria de Educação e dos pais nas iniciativas de trabalho na escola;



Questões pedagógicas gerais:


falta de estímulo profissional aos professores; dificuldades de motivação ( do professor e das crianças); dificuldades na relação família-escola; resistência às mudanças ( quanto a métodos e linhas de ação - a abordagem tradicional persiste ); concepções cristalizadas (quanto aos alunos, à aprendizagem, à disciplina); ausência de planejamento e/ou apresentação de planos para simples cumprimento de exigências burocráticas; dificuldades dos professores relacionadas aos conteúdos, ao trabalho interdisciplinar; com a avaliação da aprendizagem; dificuldades de lidar com "alunos problemáticos";


b) As Observações da Prática Pedagógica




As observações da prática pedagógica foram realizadas pelos bolsistas, paralelamente ao desenvolvimento dos círculos de estudo. Os professores participantes do projeto foram observados no "locus" de trabalho, sendo acompanhados, de perto, pelos bolsistas que procederam ao registro das informações coletadas e elaboração de relatórios.

A preparação dos bolsistas para o registro das observações se deu através de encontros com os assessores.

Por tratar-se de um estudo com características etnográficas, voltado para o registro de experiências e vivências dos sujeitos que constróem o cotidiano escolar, as orientações se voltaram para as técnicas de coleta de dados, particularmente no que diz respeito à observação participante. Nesse sentido, foram ressaltados aspectos referentes à postura do observador, tipo de envolvimento/interação com os professores observados, objetividade nos registros descritivos, de modo a se ir estruturando um quadro configurativo da realidade estudada.

Tratava-se de captar o clima institucional e a dinâmica da sala de aula, procurando-se relacionar o observado a aspectos tais como: aspectos administrativos, problemas pedagógicos gerais e problemas por área.

O material resultante das observações, referentes às áreas específicas, juntamente com o levantamento feito nos círculos de estudos, entregue aos professores formadores, serviu de subsídio para a programação da Formação Continuada.

Os dados de observação, sistematizados em relatórios, serviram ainda como material básico para colóquios mantidos entre os bolsistas e os professores observados, no tocante aos problemas constatados e hipóteses explicativas. Estes, certamente, foram momentos privilegiados de aprendizagens significativas, em que, como sujeitos, professores e bolsistas se encontraram no confronto; os primeiros, defrontando-se com as suas contradições e os segundos, revendo os seus conceitos e preconceitos.


c) As Entrevistas

O processo de entrevistas aos educadores de apoio e professores envolvidos no projeto, levado a efeito pelos bolsistas, teve como objetivo "compor melhor o cenário a ser analisado", somando-se às informações colhidas através das observações e nos círculos de estudos, como elementos adicionais subsidiários à estruturação do programa de Formação Continuada.

As orientações aos bolsistas se ativeram aos procedimentos do entrevistador, culminando na organização de um roteiro, que continha como questões básicas:

Qual o significado da escola para você? Como você ensina (cada área do conhecimento)? Qual o significado de (cada área do conhecimento) para você? Como você verifica que os alunos aprenderam? O que você acha mais relevante na avaliação? Como você avalia os alunos? Como você sabe que o aluno aprendeu? Como você sabe que o aluno sabe que aprendeu?

Os alunos dos professores participantes do projeto também foram alvo de conversas informais e entrevistas, tendo em vista captar a representação que têm a respeito do ensino da escola, significado das diferentes áreas do conhecimento, como ele aprende, como sabe se aprendeu ou não, como é avaliado, entre outras questões .




3º Momento: Programa de Formação Continuada


O Programa de Formação Continuada teve início em 18 de setembro e se estendeu até l4 de novembro, perfazendo um total de 20 horas de apoio pedagógico em cada área específica. Os programas, procurando atender às dificuldades/necessidades detectadas na investigação, tinham como eixos comuns a abordagem construtivista, a busca da interdisciplinaridade e a prática da avaliação interativa.

Para tanto, paralelamente ao período de formação, reuniões quinzenais foram realizadas, pelos assessores, com os cursistas e professores -formadores, para avaliação do processo e suas repercussões na prática.




4° Momento: Vivências Sistematizadoras



Após esse período, cada professor participante selecionou uma atividade que considerou relevante para o seu aperfeiçoamento profissional e de "efetivo êxito para a aprendizagem das crianças" e, sob a orientação do professor-formador, organizou um plano de ação para concretizar em sua sala de aula. Esta experiência foi registrada em vídeos para servir de objeto de estudo e socializações posteriores.




Numa ação conjunta educadoras de escolas, assessoras da Secretaria de Educação do Estado, professores e estudantes bolsistas de onze Departamentos da Universidade se debruçaram sobre o Projeto que teve um formato de Pesquisa participante, apontando a escola como espaço gerador de estudo e aprofundamento teórico, visando ao fortalecimento da prática pedagógica e percebendo-se o professor como sujeito ativo do seu processo formativo.





Portanto, saímos dos muros da Academia Universitária e colocamos os pés na escola e, a escola cresceu em análise e a universidade se fortaleceu, pois, ambas enfrentaram a realidade e reviram modelos, anteriormente, estabelecidos. Decidimos trabalhar de modo interdisciplinar, desde o nascedouro das nossas idéias até a construção das tomadas de decisão e execução das ações coletivamente planejadas. Reconhecemos que estávamos aprendendo a pensar e a construir juntos e, isto, de certa forma, foi o motor da dinâmica e entusiasmo do projeto.

Objetivávamos desencadear um processo de reconstrução da prática pedagógica no ensino fundamental, envolvendo seus principais atores. De fato, antes de participarem desse processo coletivo de reflexão, os professores tendiam a responsabilizar seus alunos pelo sucesso ou fracasso das suas ações pedagógicas; a individualizar os problemas e dar ênfase a interpretações de cunho mais emocional do que científico; a explicarem uma série de problemas pedagógicos através dos baixos salários, clima de competição interpessoal, desmotivação e descompromisso; ou ainda, procuravam culpabilizar mais diretamente os próprios alunos ou o "descaso" da família como produtores principais do fracasso escolar. Firmávamos posição e constituíamo-nos como grupo de trabalho, lutando pela nossa identidade como educadores comprometidos com a escola pública. Na medida em que os professores vão se reconhecendo sujeitos históricos, construtores do processo pedagógico, começa um processo de construção de uma nova identidade educacional. Os professores identificaram os limites e possibilidades pessoais, compreendendo a sua prática pedagógica como um processo histórico, determinante e determinado e abrindo-se ao diálogo com um novo conhecimento

O projeto "Avaliar com os pés no chão da escola", desde os seus primeiros passos, assumiu o compromisso do pensar e do fazer coletivos, voltados à reconstrução de uma cultura avaliativa capaz de romper com o velho, o tradicional, o conservador e, afirma-se como crítico, dinâmico e permanentemente revolucionário.

Apesar das dificuldades vivenciadas pelo dia a dia de um sistema de ensino precário, da falta de apoio consistente e da demora imoral das verbas oficiais do MEC, aprendemos lentamente a ser parceiros tanto da Universidade como da Secretaria da Educação.


O SEMINÁRIO DE SOCIALIZAÇÃO


Esse, certamente, constituiu-se um momento privilegiado para apreciação dos benefícios e alcance social do programa, particularmente através da exposição dos trabalhos realizados.

A programação apresentou, como destaque, a realização de oficinas pedagógicas nas diversas áreas do conhecimento, organizadas a partir das vivências sistematizadoras, sob a coordenação dos professores-formadores e professores da rede e o monitoramento dos alunos bolsistas.

Ainda na programação, além da exposição de painéis pedagógicos com murais explicativos ilustrados das vivências dos professores participantes em suas escolas, houve a realização de mesas-redondas versando sobre os seguintes temas:


a) As políticas estaduais de capacitação e formação continuada dos professores: um compromisso em parceria da U.F.PE com a S.E.E.

b) Produção do Conhecimento e Avaliação

c) Avaliação nas diversas áreas do conhecimento


O paradigma da avaliação diagnóstico-emancipatória abriu possibilidades de se avaliar o movimento escolar, interpretar seus fundamentos, lidar com os caminhos e descaminhos da escola e RECONSTRUIR A PRÁTICA PEDAGÓGICA NUMA DIREÇÃO DEMOCRÁTICA.

Parceiros foram aqueles que se sentaram à mesa, negociaram, planejaram, avaliaram, enfrentaram as dificuldades, aprenderam com os equívocos, vibraram junto com as apropriações conceituais e com a produção de um novo conhecimento, respeitando as decisões coletivas.

Nesse sentido, ainda somos aprendizes iniciantes e temos um longo caminho a percorrer.

Por tudo isso, um projeto que nasceu e se constituiu no coletivo não pode morrer, pois ele é um espaço pleno de aprendizagens e de conquistas políticas.


Nota importante
: esse documento foi redigido a partir de relatórios preliminares produzidos pela Profa Maria Helena Costa Carvalho (UNICAP), pela Profa Targélia Albuquerque (UFPR) e por mim, Prof Xavier Uytdenbroek (UFPE).

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