RECONSTRUINDO A PRÁTICA PEDAGÓGICA
Um Projeto institucional se
identificando com os professores da escola pública
NO ENSINO FUNDAMENTAL
Prof Xavier Uytdenbroek
Depto Fundamentos Sócio Filosóficos da
Educação
Em 1996, o Departamento de Extensão do
SESU/MEC abriu uma pequena linha de financiamento para as Universidades do país
que pretendiam investir em projetos, sejam de Ensino Fundamental, sejam de
educação para jovens e adultos, sejam de educação à distância, sejam de produção
de material didático.
No mês de maio de 1996, a Pró-reitoria
de Extensão da UFPE convocou todos os centros da Instituição federal para montar
um Projeto de grande relevância acadêmica e social, que tivesse a dimensão de
Ensino, Pesquisa e Extensão e abrangesse de modo interdisciplinar todas as áreas
de conhecimento contempladas no Ensino Fundamental.
Como o tempo era reduzido para pensar
um Projeto desta natureza, redigi-lo e ter o consenso de todas as áreas que
iriam participar do mesmo, um grupo de trabalho se reuniu e me pediu de
elaborá-lo e coordená-lo. De imediato convidei a Profa Targélia Albuquerque,
especialista em avaliação, para que juntos pudéssemos apresentar, sete dias
depois, um Projeto para a Pró reitoria e os 12 professores da UFPE e da UFRPE,
que já estavam de certo modo dispostos a colaborar. O projeto de intervenção
versava na área de avaliação em séries iniciais de 18 escolas públicas da Região
Metropolitana e tinha como ponto de partida e de chegada a situação concreta da
sala de aula.
Após orientações e correções desses
professores, mandamos para o MEC/SESU a nossa proposta, que foi aprovada no dia
21 de junho pelo comitê assessor do MEC em Brasília.
Vinte e cinco professores de onze áreas
de conhecimento da UFPE e da UFRPE, após ter analisado e debatido a versão
final, decidiram participar do Projeto. O mesmo foi cognominado de "Avaliar com
os pés no chão da escola: reconstruindo a prática pedagógica no ensino
fundamental". Foi o início de interação entre várias áreas do
saber.
No seu parecer, o MEC apenas comentou a
necessidade de uma participação mais ativa da SEE para o desenrolar pedagógico
do Projeto. Essa foi portanto chamada para dar a sua contribuição competente em
cada momento pedagógico do Projeto.
As etapas do Projeto foram
desenvolvidas em quatro momentos que se articularam:
1º Momento: Planejamento e decisões
preliminares
2º Momento: Investigação da prática
pedagógica / Avaliação diagnostica
3º Momento: Programa de Formação
Continuada
4° Momento: Vivências
Sistematizadoras
1º Momento: Planejamento e decisões
preliminares
O primeiro momento consistiu numa série
de reuniões entre a equipe responsável pelo projeto e os representantes da
Secretaria de Educação do Estado para apresentação do projeto, definição de
parcerias e discussão/estabelecimento dos critérios de participação,
considerando-se o atendimento do princípio da adesão espontânea.
Ficou acertado, como critério de
participação, que o professor:
- esteja lecionando na 3ª ou na 4ª
série; conheça o projeto; aceite os desdobramentos do projeto; tenha
disponibilidade (ou seja liberado) no período da tarde; permita ser filmado,
observado e entrevistado por bolsistas.
Quanto aos educadores de apoio e
técnicos de ensino, coube à Secretaria de Educação indicá-los. Os compromissos
firmados foram registrados numa carta de princípios assinada por representantes
da Secretaria de Educação e da Universidade.
O processo seletivo dos candidatos
bolsistas da Universidade consistiu na apresentação, pelos candidatos, de uma
carta de intenções e entrevista. 20 (vinte) candidatas preencheram os requisitos
necessário. Assim, para um conjunto de 20 participantes, tinha-se um total de 19
escolas.
Essa seleção foi realizada em dois dias
consecutivos e constou de várias etapas: entrevista interativa; sistematização
escrita; debate; entrevista em grupos menores. Em seguida, a avaliação foi feita
a partir do confronto entre as produções escritas e as colocações orais dos
candidatos, considerando aspectos tais como a desenvoltura comunicativa, clareza
nas colocações e conhecimento do projeto.
O quadro de bolsistas foi o
seguinte:
08 (oito) de Pedagogia; 03 (três) de
Artes ( Música, Artes Cênicas e Artes Plásticas); 02 (dois) de Matemática; 02
(dois) de Ciências; 01 (uma) de Língua Portuguesa; 01 (uma) de Estudos Sociais;
04 (quatro) de Comunicação Social.
Para atender ao propósito de ter como
observador da prática da professora, prioritariamente bolsista da área
específica, o grupo foi distribuído de modo que os bolsistas de Língua
Portuguesa, Matemática, Estudos Sociais e Ciências, juntamente com quatro (04)
bolsistas de Pedagogia fizeram observações da prática de apenas uma (01)
professora cada. Os demais de Pedagogia, cada um acompanhou duas (02) educadoras
de apoio e os de Educação Física e Artes acompanharam em média duas (02)
professoras cada.
2º Momento: Investigação da prática
pedagógica / Avaliação diagnóstica
a) Os Círculos de
Estudo
Os Círculos de Estudo tinham como
objetivo a identificação dos problemas enfrentados pelo professor na sala de
aula, no que diz respeito ao domínio do conteúdo, desempenho
metodológico/didático e condução da avaliação escolar, tendo em vista o
planejamento do processo de formação continuada nas diferentes áreas do
conhecimento, previstas no projeto. Visava-se pois colher subsídios para a
programação de "cursos sistemáticos de complementação pedagógica e de
aperfeiçoamento profissional específico", além de "apoiar a efetivação de
inovações na sala de aula".
Conforme o cronograma, foram realizados
dois círculos de estudo (ambos no mês de agosto 96) com a participação de todos
os segmentos envolvidos no projeto.
A análise das colocações feitas nesses
encontros, registradas em atas elaboradas pelos bolsistas, permitiu a apreensão
de alguns elementos que merecem ser considerados: a tendência de articular os
problemas a fatores externos; a forte contradição autonomia x centralização; a
reprodução das relações de poder (não apenas nas escolas, mas no próprio espaço
dos círculos de estudo); a percepção dos professores de que os problemas da
escola não são meramente pedagógicos; o reconhecimento de um espaço de
autonomia; a culpabilização mútua; a tendência de apresentar a escola em sua
negatividade (naquilo que ela não tem )
Na medida em que se conseguia avançar
para o micro espaço da sala de aula, os problemas remontavam aos conflitos
gerados pela distância entre o aluno concreto, real, e o aluno desejado e a
ênfase recai nas dificuldades de lidar com situações conflituosas e problemas
disciplinares.
Quanto às dificuldades ligadas ao
ensino das áreas específicas, os problemas foram apresentados em termos de
metodologia (como trabalhar...) , apesar de o fato da expressão vir acompanhada
de um conteúdo específico poder ser um indicador da necessidade de
aprofundamento temático-conceptual.
O levantamento das temáticas
solicitadas, por se constituírem em dificuldades/necessidades dos professores
foi objeto de discussão nos círculos de estudo, juntamente com as soluções
alternativas.
Foram relacionadas, entre as
dificuldades gerais:
Questões
administrativo-estruturais:
inadequabilidade de espaço físico;
ausência de material escolar; falta de equipamentos, acessórios, recursos
financeiros; falta de apoio da Secretaria de Educação e dos pais nas iniciativas
de trabalho na escola;
Questões pedagógicas
gerais:
falta de estímulo profissional aos
professores; dificuldades de motivação ( do professor e das crianças);
dificuldades na relação família-escola; resistência às mudanças ( quanto a
métodos e linhas de ação - a abordagem tradicional persiste ); concepções
cristalizadas (quanto aos alunos, à aprendizagem, à disciplina); ausência de
planejamento e/ou apresentação de planos para simples cumprimento de exigências
burocráticas; dificuldades dos professores relacionadas aos conteúdos, ao
trabalho interdisciplinar; com a avaliação da aprendizagem; dificuldades de
lidar com "alunos problemáticos";
b) As Observações da Prática
Pedagógica
As observações da prática
pedagógica foram realizadas pelos bolsistas, paralelamente ao desenvolvimento
dos círculos de estudo. Os professores participantes do projeto foram observados
no "locus" de trabalho, sendo acompanhados, de perto, pelos bolsistas que
procederam ao registro das informações coletadas e elaboração de
relatórios.
A preparação dos bolsistas para o
registro das observações se deu através de encontros com os
assessores.
Por tratar-se de um estudo com
características etnográficas, voltado para o registro de experiências e
vivências dos sujeitos que constróem o cotidiano escolar, as orientações se
voltaram para as técnicas de coleta de dados, particularmente no que diz
respeito à observação participante. Nesse sentido, foram ressaltados aspectos
referentes à postura do observador, tipo de envolvimento/interação com os
professores observados, objetividade nos registros descritivos, de modo a se ir
estruturando um quadro configurativo da realidade estudada.
Tratava-se de captar o clima
institucional e a dinâmica da sala de aula, procurando-se relacionar o observado
a aspectos tais como: aspectos administrativos, problemas pedagógicos gerais e
problemas por área.
O material resultante das observações,
referentes às áreas específicas, juntamente com o levantamento feito nos
círculos de estudos, entregue aos professores formadores, serviu de subsídio
para a programação da Formação Continuada.
Os dados de observação, sistematizados
em relatórios, serviram ainda como material básico para colóquios mantidos entre
os bolsistas e os professores observados, no tocante aos problemas constatados e
hipóteses explicativas. Estes, certamente, foram momentos privilegiados de
aprendizagens significativas, em que, como sujeitos, professores e bolsistas se
encontraram no confronto; os primeiros, defrontando-se com as suas contradições
e os segundos, revendo os seus conceitos e preconceitos.
c) As
Entrevistas
O processo de entrevistas aos
educadores de apoio e professores envolvidos no projeto, levado a efeito pelos
bolsistas, teve como objetivo "compor melhor o cenário a ser analisado",
somando-se às informações colhidas através das observações e nos círculos de
estudos, como elementos adicionais subsidiários à estruturação do programa de
Formação Continuada.
As orientações aos bolsistas se
ativeram aos procedimentos do entrevistador, culminando na organização de um
roteiro, que continha como questões básicas:
Qual o significado da escola para você?
Como você ensina (cada área do conhecimento)? Qual o significado de (cada área
do conhecimento) para você? Como você verifica que os alunos aprenderam? O que
você acha mais relevante na avaliação? Como você avalia os alunos? Como você
sabe que o aluno aprendeu? Como você sabe que o aluno sabe que
aprendeu?
Os alunos dos professores participantes
do projeto também foram alvo de conversas informais e entrevistas, tendo em
vista captar a representação que têm a respeito do ensino da escola, significado
das diferentes áreas do conhecimento, como ele aprende, como sabe se aprendeu ou
não, como é avaliado, entre outras questões .
3º Momento: Programa de Formação
Continuada
O Programa de Formação Continuada teve
início em 18 de setembro e se estendeu até l4 de novembro, perfazendo um total
de 20 horas de apoio pedagógico em cada área específica. Os programas,
procurando atender às dificuldades/necessidades detectadas na investigação,
tinham como eixos comuns a abordagem construtivista, a busca da
interdisciplinaridade e a prática da avaliação interativa.
Para tanto, paralelamente ao período de
formação, reuniões quinzenais foram realizadas, pelos assessores, com os
cursistas e professores -formadores, para avaliação do processo e suas
repercussões na prática.
4° Momento: Vivências
Sistematizadoras
Após esse período, cada professor
participante selecionou uma atividade que considerou relevante para o seu
aperfeiçoamento profissional e de "efetivo êxito para a aprendizagem das
crianças" e, sob a orientação do professor-formador, organizou um plano de ação
para concretizar em sua sala de aula. Esta experiência foi registrada em vídeos
para servir de objeto de estudo e socializações posteriores.
Numa ação conjunta educadoras de
escolas, assessoras da Secretaria de Educação do Estado, professores e
estudantes bolsistas de onze Departamentos da Universidade se debruçaram sobre o
Projeto que teve um formato de Pesquisa participante, apontando a escola como
espaço gerador de estudo e aprofundamento teórico, visando ao fortalecimento da
prática pedagógica e percebendo-se o professor como sujeito ativo do seu
processo formativo.
Portanto, saímos dos muros da
Academia Universitária e colocamos os pés na escola e, a escola cresceu em
análise e a universidade se fortaleceu, pois, ambas enfrentaram a realidade e
reviram modelos, anteriormente, estabelecidos. Decidimos trabalhar de modo
interdisciplinar, desde o nascedouro das nossas idéias até a construção das
tomadas de decisão e execução das ações coletivamente planejadas. Reconhecemos
que estávamos aprendendo a pensar e a construir juntos e, isto, de certa forma,
foi o motor da dinâmica e entusiasmo do projeto.
Objetivávamos desencadear um processo
de reconstrução da prática pedagógica no ensino fundamental, envolvendo seus
principais atores. De fato, antes de participarem desse processo coletivo de
reflexão, os professores tendiam a responsabilizar seus alunos pelo sucesso ou
fracasso das suas ações pedagógicas; a individualizar os problemas e dar ênfase
a interpretações de cunho mais emocional do que científico; a explicarem uma
série de problemas pedagógicos através dos baixos salários, clima de competição
interpessoal, desmotivação e descompromisso; ou ainda, procuravam culpabilizar
mais diretamente os próprios alunos ou o "descaso" da família como produtores
principais do fracasso escolar. Firmávamos posição e constituíamo-nos como grupo
de trabalho, lutando pela nossa identidade como educadores comprometidos com a
escola pública. Na medida em que os professores vão se reconhecendo sujeitos
históricos, construtores do processo pedagógico, começa um processo de
construção de uma nova identidade educacional. Os professores identificaram os
limites e possibilidades pessoais, compreendendo a sua prática pedagógica como
um processo histórico, determinante e determinado e abrindo-se ao diálogo com um
novo conhecimento
O projeto "Avaliar com os pés no chão
da escola", desde os seus primeiros passos, assumiu o compromisso do pensar e do
fazer coletivos, voltados à reconstrução de uma cultura avaliativa capaz de
romper com o velho, o tradicional, o conservador e, afirma-se como crítico,
dinâmico e permanentemente revolucionário.
Apesar das dificuldades vivenciadas
pelo dia a dia de um sistema de ensino precário, da falta de apoio consistente e
da demora imoral das verbas oficiais do MEC, aprendemos lentamente a ser
parceiros tanto da Universidade como da Secretaria da
Educação.
O SEMINÁRIO DE
SOCIALIZAÇÃO
Esse, certamente, constituiu-se um
momento privilegiado para apreciação dos benefícios e alcance social do
programa, particularmente através da exposição dos trabalhos realizados.
A programação apresentou, como
destaque, a realização de oficinas pedagógicas nas diversas áreas do
conhecimento, organizadas a partir das vivências sistematizadoras, sob a
coordenação dos professores-formadores e professores da rede e o monitoramento
dos alunos bolsistas.
Ainda na programação, além da exposição
de painéis pedagógicos com murais explicativos ilustrados das vivências dos
professores participantes em suas escolas, houve a realização de mesas-redondas
versando sobre os seguintes temas:
a) As políticas estaduais de
capacitação e formação continuada dos professores: um compromisso em parceria da
U.F.PE com a S.E.E.
b) Produção do Conhecimento e
Avaliação
c) Avaliação nas diversas áreas do
conhecimento
O paradigma da avaliação
diagnóstico-emancipatória abriu possibilidades de se avaliar o movimento
escolar, interpretar seus fundamentos, lidar com os caminhos e descaminhos da
escola e RECONSTRUIR A PRÁTICA PEDAGÓGICA NUMA DIREÇÃO
DEMOCRÁTICA.
Parceiros foram aqueles que se sentaram
à mesa, negociaram, planejaram, avaliaram, enfrentaram as dificuldades,
aprenderam com os equívocos, vibraram junto com as apropriações conceituais e
com a produção de um novo conhecimento, respeitando as decisões
coletivas.
Nesse sentido, ainda somos aprendizes
iniciantes e temos um longo caminho a percorrer.
Por tudo isso, um projeto que nasceu e
se constituiu no coletivo não pode morrer, pois ele é um espaço pleno de
aprendizagens e de conquistas políticas.
Nota importante
: esse documento foi
redigido a partir de relatórios preliminares produzidos pela Profa Maria Helena
Costa Carvalho (UNICAP), pela Profa Targélia Albuquerque (UFPR) e por mim, Prof
Xavier Uytdenbroek (UFPE).
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