A política e seus significados
Quando se ouve falar em política é quase impossível não se aperceber de alguns paradoxos. Se trabalhadores fazem uma passeata para exigir melhores salários, alguns dirão que "Eles deviam estar no seu local de trabalho e não na rua, fazendo política, atrapalhando o trânsito." Mas se os trabalhadores aceitam e se contentam com as suas condições de trabalho, haverá aqueles que dirão: "Esses trabalhadores são passivos, não sabem fazer política, não lutam por seu direitos."Observa-se implicitamente, nessas opiniões contraditórias, dois modos de compreender a política: no primeiro caso, ela é considerada uma atividade que deve ser realizada por pessoas especializadas no assunto - os políticos profissionais -, enquanto no segundo compreende-se que é uma atividade de qual todos devem participar, pois todos os cidadãos devem se manifestar a respeito de seus interesses. ou seja, surge um paradoxo da política: ela é uma atividade especifica realizada por alguns profissionais ou ela é uma atividade praticada por todos que vivem em sociedade?
De modo similar, pode-se dizer que a politica é uma palavra usada tanto como sinônimo de governo, sendo este constituído por profissionais gabaritados para fazer política (os políticos) quando para indicar uma ação coletiva (a passeata dos trabalhadores nas ruas) ou qualquer outra reinvindicação feita por membros de uma sociedade e dirigida ao governo ou Estado. Mas há ainda outras expressões que usamos para a política. é comum ouvir falar em "política da escola, política empresarial, política partidária." Nesses casos, tais expressões não remetem à ação daqueles políticos profissionais ou à ação do governo. Referem-se antes a um modo de gerir, administrar as instituições. Quando se fala em "política da escola", por exemplo, está se referindo à definição de um caminho que esta instituição (pública ou privada) irá tomar para alcançar seus objetivos: como será feita a gestão escolar, como se dará a participação dos professores e aluno, como será a forma de avaliação de professores e alunos, como serão distribuídos os recursos provenientes de fundos, caso seja pública) ou mensalidades (caso seja particular).
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Mas então, o que é política? Política é uma atividade do governo é uma atividade de profissionais especializados, é tudo o que se diga a respeito à organização e administração de uma empresa, de um partido, de um grupo? A politica, em geral, pode ser entendida sob dois aspectos: é uma atividade de gestão e organização das instituições públicas ou privadas e também uma atividade que envolve relações de poder para decidir os rumos de uma gestão e da organização, seja do governo, de um grupo partidário ou dos sócios de uma empesa privada.
A política foi originalmente inventada pelos gregos e romanos. Em grego, política (ta politika) deriva de polis, que quer dizer cidade, comunidade organizada, formada por cidadãos que nasceram no solo da cidade, são livres e iguais e têm direitos de isonomia, ou igualdade perante a lei, e isegoria, ou direito de expor e discutir em público opiniões sobre como a cidade deve ser gerida. Para os romanos, política era res publica, significando que os negócios públicos da civitas (cidades), realizados pelos romanos homens livres e iguais que nasceram no solo romano.
Ta politika e Res publica correspondem atualmente ao que se designa como governo, programas e projetos que uma parte da sociedade (comunidade política) propõe ao todo que se compõe. Envolve formas de participação no poder, conflitos e acordos nas tomadas de decisão, definição das leis e sua aplicação, direitos e deveres dos membros da comunidade política e decisões referentes ao destino do erário público ou fundo público. Polis e civitas correspondem ao que atualmente se designa como Estado, um conjunto de instituições públicas permanentes, e sua administração pelos membros da cidade que detêm autoridade para dirigir a coletividade organizada em Estado, bem como às ações da coletividade em apoio ou contrárias à autoridade governamental e mesmo à forma do Estado.
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Política e multidimensionalidade dos problemas humanos
A política perpassa toda a sociedade e é perpassada por ela. Desde a sua invenção e durante séculos, a política tem apresentado muitas faces. Na história da sociedade ocidental, a politica liberal do século XX, implantada pelas revoluções burguesas, deu origem a um Estado assistencialista, assim como as revoluções socialistas do século XX, impregnadas de uma ideia mítica providencialista, baseada no pressuposto de que a revolução marxista-leninista colocaria um fim a sociedade de classes e às injustiças sociais, acabaram inspirando o seu avesso: uma política totalitária. A política, baseada na lei e no direito, estabeleceu os rumos das economias nacionais, estabelecendo primeiro as medidas protecionistas do século XIX, depois as lis antitruste e, em seguida, ditando a condução do crescimento e do desenvolvimento, estimulando hoje a globalização e a criação e uma sociedade da informação.A política passou a interferir cada vez mais e estabelecer modos de atendimento às crescentes necessidades dos indivíduos e das populações. Haja vista alguns exemplos: política de assistência aos trabalhadores pelo Estado previdenciário baseado em proteção e auxílio diversos (seguro de vida, auxílio doença, morte ou velhice, salário desemprego), serviços de creches, asilos, funerárias; estabelecimento de políticas voltadas para a construção de obras (estradas, pontes, viadutos, hospitais, escolas, etc); educação, cultura e lazer dependentes de incentivos e projetos governamentais para atender as populações carentes, que não dispõem dos recursos financeiros para ter acesso à escola, a bibliotecas, computadores, espetáculos, arte e diversão. os governos assumem a reparação de danos causados por catástrofes naturais (maremotos, terremotos, inundações, etc) enquanto a liberdade ou controle dos meios de comunicação atuais depende de uma politica de acesso.
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Do mesmo modo que as transformações na vida dos indivíduos e da sociedade reinventaram a política e os problemas relacionados à natureza humana e à natureza da sociedade tornam-se uma preocupação política, os problemas ambientais, evidenciados nos últimos 30 anos, tornam-se também um problema político, seja em escala local (degredação dos ecossistemas) ou em escala global (alteração da biosfera). A política do homem se planetariza e os problemas planetários, a vida em todas as suas dimensões (social e natural), colocam-se no centro da política. Assim, conclui Morin "a política deve tratar da multidimensionalidade dos problemas humanos".
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Sobretudo a área de meio ambiente envolve uma pluralidade de fatores que devem ser, administrados e solucionados em consonância com outras áreas. Observe-se, por exemplo, a oferta de água potável. Considerada um recurso renovável, com a crescente e intensificada demanda, passa a ter na sua obtenção um desafio para o suporte da vida e do bem-estar das populações atuais e futuras do planeta.
O acesso à agua e o seu uso para as mais diversas finalidades está ligado a uma complexa rede de ações (e relações de poder), que implica conhecimento teórico de engenheiros, arquitetos, médicos e sanitaristas que definem o traçado das ruas, tanques e diques,os espaços subterrâneos da cidade, constroem canos, analisam o grau de pureza da agua, definem padrões de higiene e saúde a serem seguidos pelos habitantes da cidade. No entanto, em geral, as politicas voltadas para a execução de programas de abastecimento e tratamento de agua são setorizadas, ignorando-se ou não, por exemplo, as relações existentes entre os problemas de saúde da população e as condições de potabilidade da água, a relação da potabilidade da água com a acumulação de lixo próximos a áreas de mananciais, a relação do lixo com a fiscalização de assentamentos irregulares e assim por diante.
Ou seja, a política deve reaver o seu papel de resolver conflitos de interesses, buscar atender aos interesses da sociedade e da natureza, sem contudo ser devorada pela técnica, pela economia, pela administração, pela burocracia. Estas são especialidades, instrumentos de apoio para se fazer política, mas não devem comanda-la, assim como a política não deve ser soberana, colocar-se acima da sociedade e de suas necessidades, mas interagir com ela, dessa forma reconstruindo a si mesma. A evidência de degradação ambiental em escala mundial é um dos principais acontecimentos na história da humanidade e está a exigir um novo homem político e uma política ambiental.
A política deve reaver o seu papel de resolver conflitos de interesses.
Globalização e políticas ambientais
...Em meados do século XX, no entanto, a poluição cresceu rapidamente, mais do que o aumento populacional e o consumo material no mundo industrizalizado. A industria passou a produzir cada vez mais itens químicos sintéticos - em geral, mais tóxicos e resistentes à degradação por processos naturais, sendo assim acumulados no ambiente. Dentre os produtos industriais que contribuíram para o aumento da poluição estão os plásticos, detergentes, fibras sintéticas, fertilizantes e pesticidas, que passaram a ser mais consumidos, no lugar dos produtos naturais menos poluentes como o sabão, fibras naturais e fertilizantes orgânicos. Os efeitos desses poluentes, individualmente ou combinados, nem sempre foram testados em animais, ou no meio ambiente, de modo que não se sabe até que ponto são letais para os organismos vivos que os absorvem nos locais em que se acumulam.
A crescente evidência da insustentabilidade ambiental mostrou, acima de tudo, que a poluição industrial, os acidentes nucleares e os riscos para a saúde humana não eram apenas um problema nacional a ser tratado dentro dos limites político-administrativos de cada país, mas haviam se tornado um problema internacional, que exigia novas formas de exercer a política e de comprender os problemas locais e globais, nas suas múltiplas dimensões.
O esverdeamento das políticas públicas
Embora evidencias de degradação ambiental em escala ameaçassem a vida na Terra em diferentes graus e, estudantes, cientistas e pacifistas, entre outros, nos anos 1960 e 1970, assumissem posturas radicais e fizessem previsões alarmistas e catastróficas sobre a durabilidade do planeta, não se pode dizer que são causas diretas do surgimento de uma preocupação do Estado com a preservação da natureza. Conforme Leis (1999, p. 116), "para chegar ao ponto onde o sistema político está disposto a encarar a solução de um problema é necessário previamente chamar a atenção de]o público, justificar a necessidade de intervenção política e avaliar os custos e alternativas de modo realista."
De certa forma, pode-se dizer que não foi o Estado que politizou o ambientalismo, mas o ambientalismo o que se politizou gradativamente para alterar, ou ao menos obter influência, sobre as formas tradicionais de governar e atender às demandas provocadas pelos problemas ambientais. a singularidade do ambientalismo, que alcança a sua maturidade na década de 1970, como apontam alguns autores, reside na capacidade de articular fatores emocionais e argumentos racionais, pensamento e ação, numa intensidade que outras mobilizações sociais raramente conseguem. Mesmo aqueles partidários do ambientalismo que se consideram apolíticos, nem à esquerda nem à direita, mas á frente, colaboraram talvez sem pensar que eram portadores de uma nova visão e sensibilidade da política, para a disseminação de ideias e valores verdes, que propiciaram posicionamentos tanto na escolhas pessoais como a mobilização de ações coletivas que levaram a um crescente esverdeamento das políticas públicas.
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No âmbito do Estado cresceu o número de países que criaram instituições e incluíram programas ambientais em suas agendas. Antes da Conferência da Organização das Nações Unidas sobre o Ambiente Humano, conhecido como a Conferência de Estocolmo, realizada em 1972, somente 12 países tinham agências estatais relacionadas ao meio ambiente, a maioria constituída por países desenvolvidos. Em 1981, mais de 140 países haviam criado órgãos administrativos nessa área, sendo quase proporcional a relação entre países mais desenvolvidos e os menos desenvolvidos.
Pode-se questionar a efetiva atuação e a eficiência das instituições públicas criadas, assim como das políticas ambientais implantadas: serão essas apenas respostas "oficiais" à pressão dos setores organizados da sociedade? Até que ponto os governos se apropriaram do discurso ambientalista ou estão repetindo velhos discursos com nova roupagem? De acordo com Castells (2000, p. 164-165),
com o aumento extraordinário da consciência, influência e a organização ambientalista, o movimento tornou-se sobretudo, cada da mais diversificado tanto do ponto de vista social quanto temático, chegando às mesas de reuniões das grandes empresas, aos recônditos da contracultura e às assembleias legislativas. Ao longo desse processo, os temas têm sofrido distorções, sendo às vezes submetidos a manipulações. contudo, essa é a marca de qualquer movimento social relevante.
A essa conclusão poder-se -ia acrescentar ainda que, se há riscos, por um lado, de as políticas públicas ambientais realizarem programas e projetos aquém dos princípios desejáveis e implícitos no conceito de desenvolvimento sustentável, por outro lado há também chances de se criarem e consolidarem ovas alternativas de poder, a partir da reconsideração da política como um espaço de poder democratizante voltado para os interesses da esfera publica, que diz respeito a toda a sociedade e somente aos interesses privados ou aos políticos profissionais.
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