Na literatura sobre violencia cntra a mulher, encontramos vários pontos de
vista e uma vasta produção sobre essa temática. A opção foi por uma linha que reconhece que
existem vários entendimentos sob as
várias formas de violência e de opressão vivenciadas pelas mulheres até os dias
atuais, e
pelo entendimento de que homens e
mulheres vivem sob condições objetivas e subjetivas desiguais às quais são
“produto” das relações sociais. Dessa forma, a construção social às respostas
que dão às suas necessidades e vontades tem na cotidianidade sua determinação
central. Isso significa que o sujeito histórico é produzido pelas condições
materiais da vida social.
Ao
estudar a história da humanidade, observamos que, dos registros encontrados, a
maioria apresenta relatos sobre o papel secundário da mulher em relação ao
homem. De acordo com Comparato (2003), o Cristianismo continuou admitindo,
durante muitos séculos, a legitimidade da escravidão e a inferioridade natural
da mulher em relação ao homem. Ainda, nesse sentido, Puleo (2004, p. 13)
acrescenta que:
“as grandes religiões têm justificado ao longo dos tempos os hábitos e condutas próprios de cada sexo”.
Para Engels (2012), a
origem da família tal como ela se apresenta até os dias atuais, teve seu início
no modo de produção capitalista. Para
ele, a ideia de sujeição feminina surge com a família monogâmica e com o
casamento que institui ao homem o poder supremo sobre a constituição familiar. Gutierrez
(1985), sustenta que a ascensão da sociedade burguesa transformou a condição da
mulher. A burguesia ascendente precisava de uma nova imagem da mulher, cria-se,
então, a imagem da mulher menina e exalta a mulher mãe. Sob essa afirmação, Alambert
(1986, p.86) explica que: “[...] o capitalismo precisou articuladar relações de
parentesco com as demais relações sociais de acordo com suas necessidades”,
formulando modelos de como cada um dos membros da família deveria se comportar
e agir. Para a mulher foi designada a sujeição, primeiro ao pai e depois ao
marido, cujo objetivo era manter o ideal da família burguesa. Um sólido ambiente familiar, lar acolhedor,
filhos educados e esposa dedicada ao marido era um tesouro social
imprescindível, a mulher deveria seguir as orientações do marido, pois não
tinha autonomia, sendo que suas “falhas” poderiam ser corrigidas. Esse modo de
viver, imposto pelo homem e reforçado pelo Cristianismo por meio de valores e
normas conduziram o mundo feminino por vários séculos.
De
acordo com Giordani (2006), a Igreja também contribuiu para o direcionamento
das questões familiares, considerando o casamento uma instituição, sendo que
toda a mulher deveria se casar e constituir uma família, devendo obediência ao
marido. Outro fator importante conferido pela igreja foi o tabu da virgindade,
pelo qual a mulher deveria se manter virgem a fim de obter um bom casamento, impondo
regras quanto à conduta moral e social da mulher. É nesta conjuntura que o
patriarcado se insere na construção social e se constitui como padrão
regulatório do Estado. Segundo Saffioti (2004, p.53), “[...] a ideologia
patriarcal refere-se à hierarquia existente entre homens e mulheres”.
Para darmos continuidade a nossa reflexão,
faz-se imprescindível esclarecer o conceito de patriarcado. Para isso
iniciaremos a discussão com o significado da palavra patriarcado segundo o conceito
de Delphy (2009):
A palavra “patriarcado” –
(do grego, pater= pai + arkhe= origem e comando)” é antiga, porém
sofreu alterações em seu sentido ao longo do tempo, ou seja, no final do século
XIX, após a divulgação das primeiras teorias sobre os estágios da evolução da
sociedade humana, nos quais o sentido da palavra estava ligado à organização da
sociedade. No fim do século XX com a segunda onda do feminismo em 1970,
considera-se o patriarcado como sinônimo de “dominação masculina” ou “de
opressão, subordinação, sujeição das mulheres” [...] ou ainda “condição
feminina” (DELPHY, 2009, p. 173).
A autora apresenta as transformações do
significado da palavra patriarcado no final do século XIX, quando seu sentido
estava ligado à evolução da sociedade. Um século depois a palavra é tomada por
outro significado completamente diferente, passando a representar dominação,
opressão e sujeição feminina.
Outra definição de patriarcado é apresentada por
Hartmann (1979 apud SAFFIOTI, 2015, p.42): “[...] patriarcado[1]
é um pacto masculino para garantir a opressão de mulheres e as relações hierárquicas entre os homens, assim como a
solidariedade existente entre eles, capacita à categoria constituída por homens
a estabelecer e a manter o controle[2] sobre
as mulheres”.
Silva (2014), amplia ainda mais esta concepção de
patriarcado, apresentado a existência de uma base material:
Podemos definir o
patriarcado como um conjunto de relações sociais entre os homens, que possui
uma base material, e que, embora hierárquico, estabelece ou cria
interdependência e solidariedade entre os homens que os permitem dominar as
mulheres. Não obstante o patriarcado seja hierárquico e homens de diferentes
classes, raças e grupos étnicos ocupem posições diferentes no patriarcado, eles
também congregam-se em sua dominação compartilhada sobre suas mulheres; eles
são mutuamente dependentes na manutenção dessa dominação controle e violência
contra as mulheres. (HARTMANN, 1984 apud SILVA, 2014, p.48).
Deste modo, entende-se que o patriarcado está
pautado na maneira em que os homens asseguram para si e para seus dependentes,
os meios necessários à produção diária da vida e a sua reprodução, para Saffioti
(2006, p.95): “[...]existe uma economia domesticamente organizada a qual sustenta
a ordem patriarcal”. Para a autora os diferentes machos estabelecem uma forma
de hierarquia que se apoiam na idade, nas funções sociais e na solidariedade
entre os homens gerando uma interdependência entre estes fatores, os quais
permitem a determinação do destino das mulheres como categoria social.
Neste regime, as mulheres
são objetos da satisfação sexual dos homens, reprodutoras de herdeiros, de
força de trabalho e de novas reprodutoras. Diferentemente dos homens como
categoria social, a sujeição das mulheres, também como grupo, envolve prestação
de serviços sexuais a seus dominadores. Esta soma/mescla de dominação e
exploração é aqui entendida como opressão. Ou melhor, como não se trata de
fenômeno quantitativo, mas qualitativo, ser explorada e dominada significa uma
só realidade. Uma mulher não é discriminada por ser mulher + por ser pobre +
por ser negra (SAFFIOTI, 2006, p.38).
De acordo com Saffioti (2006, p.76), “[...] toda
esta multiplicidade de fatores permanece porque a base material do patriarcado
não foi destruída, apesar dos avanços femininos, continua preservada na forma
de organização da sociedade”. A autora ainda expõe que o patriarcado representa
a dominação da categoria social dos homens sobre as mulheres, ou seja, não é o
poder de um único indivíduo do sexo masculino, sobre uma mulher, mas é o
exercício do poder que a categoria homens exercem sobre as mulheres, podendo as
próprias mulheres estarem imbuídas de patriarcalismo e o exercerem contra
outras mulheres.
Para Saffioti (2015, p.35), a “supremacia
masculina não está em sua força física, mas na aceitação coletiva de um sistema
de valores androcêntricos[3]”.
O patriarcado, em presença de – na verdade, enovelado com – racismo
e classes sociais [...], apresenta não apenas uma hierarquia entre as
categorias de sexo; trazendo também, em seu bojo, uma contradição de
interesses. Isto é, a preservação do status
quo consulta os interesses dos homens, ao passo que transformações no
sentido da igualdade social entre homens e mulheres respondem às aspirações
femininas. Não há, pois, possibilidade de se considerarem os interesses das
duas categorias como apenas conflitantes. São, com efeito, contraditórios. Não
basta ampliar o campo de atuação das mulheres. Em outras palavras, não basta
que uma parte das mulheres ocupe posições econômicas, políticas, religiosas
etc., tradicionalmente reservadas aos homens. Como já se afirmou, qualquer que
seja a profundidade da exploração-dominação
da categoria mulheres pela dos homens, a natureza do patriarcado
continua a mesma. A contradição não encontra solução neste regime. Ela admite a
superação, o que exige transformações radicais no sentido da preservação das
diferenças e da eliminação das desigualdades, pelas quais é responsável a
sociedade. Já em uma ordem
não-patriarcal de gênero, a contradição não está presente. Conflitos podem existir e para este tipo de fenômeno há
solução nas relações sociais de gênero isentas de hierarquias, sem mudanças
cruciais nas relações sociais mais amplas (SAFFIOTI, 2006, p.45).
Segundo Saffioti (2006), a violência é utilizada
como mecanismo e expressão da dominação/exploração patriarcal e se articula a
outros sistemas de dominação, como classe e etnia, sendo sustentada na base
material, pois, a riqueza socialmente produzida por homens e mulheres é mantida
sob o controle e domínio masculino, deste modo, os homens julgam/consideram as
mulheres como incapazes no processo de gestão/gerenciamento, colocando-as em
posição de inferioridade e não apenas como diferente.
Dentro
do contexto familiar, o patriarcado, como organização social de poder, está
formatado no modelo de controle e no medo, atitude/sentimento desenvolvendo um ciclo
vicioso (SAFFIOTI, 2006). Deste modo, as relações patriarcais no âmbito da vida
privada se expressam, dentre outras formas, pelo controle das decisões do
ambiente familiar, pelo homem, o qual tendo autorização social aplica a
“correção”, de acordo com seu entendimento, logo a violência no ambiente
doméstico se tornou uma rotina justificada, pois o homem cansado da rotina de
trabalho diário no mundo produtivo, ainda precisa direcionar o mundo doméstico,
sendo este um fardo. Para aliviar seu
cansaço, então, foi lhe permitido agir com violência contra quem desobedecesse as
suas ordens (DINIZ, 2012).
Dessa mesma forma a não percepção desse controle
muitas vezes é escamoteada pela institucionalização do papel social da mulher
na esfera da relação conjugal e familiar, papel que, quando não fielmente
cumprido pelas mulheres, estas passam a ser vítimas da violência masculina,
como forma de o homem restabelecer o poder sobre esse segmento (DINIZ, 2012, p.195).
A
violência dos homens contra as mulheres durante muito tempo esteve legitimada e
foi considerada “normal” pela sociedade. As mulheres recebiam uma educação que
as convenciam sobre a existência de um destino definido, de forma que a elas
caberia a execução fática de papéis sociais estabelecidos, como esposa e
mãe. Romper com essa concepção de mundo
e de destino fez as mulheres entenderem que seu papel na sociedade vai além da
reprodução humana e manutenção da família. Isso só foi possível a partir do
movimento feminista que trouxe a compreensão de que estes papéis eram
construções sociais e, que as mulheres poderiam negar qualquer condição que
fosse exclusivamente do sexo feminino como: a maternidade, o casamento, o
espaço doméstico, a separação entre o público e o privado, enfim, o feminismo apresentou
às mulheres a possibilidade de negação às relações hierárquicas impostas
secularmente pelo modelo de sociedade burguesa patriarcal.
Saffioti (2006), teórica brasileira de expressiva contribuição à
produção acadêmica feminista, aponta a necessidade de utilização da categoria
gênero associada ao conceito de patriarcado, pois é ele quem revelará as
relações de dominação-submissão e o modo como elas se estabeleceram. A partir
desta compreensão, torna-se possível visualizar de forma mais nítida como o direito
se estabelece como um sistema patriarcal e, portanto, legitimador da submissão
feminina.
De acordo com Saffioti (2015), estima-se que o
patriarcado tenha cerca de 2.603-4 anos sendo, portanto, muito jovem
se comparado à idade da humanidade, que se estima entre 250 e 300 mil anos. O
gênero, por sua vez, não enquanto compreensão teórica, mas como construção
social de imagens projetadas sobre o masculino e o feminino é, segundo a
autora, inerente às sociedades, assim, o gênero é: “[...] estruturador da
divisão social (e, assim, sexual) do trabalho, na medida que ela se faz
correspondendo ao critério de sexo. O que não implica, necessariamente, na
desvalorização das atividades atribuídas às mulheres” (SAFFIOTI, 2004,
p. 60).
Nas discussões de Saffioti (2004), a autora
esclarece que o patriarcado é, por conseguinte, uma especificidade das relações
de gênero, estabelecendo, a partir delas, um processo de
dominação-subordinação. Este só pode, então, configurar-se em uma relação
social. Pressupõe-se, assim, a presença de pelo menos dois sujeitos: dominadores
e dominados. Enquanto sujeitos, são sempre atuantes. “A ideologia sexista,
portanto, está corporificada nos agentes sociais de ambos os polos da relação
de dominação-subordinação” (SAFFIOTI, 2004, p.125). A autora ainda ressalta que
as mulheres também desempenham, com maior ou menor frequência, as funções do
patriarca, disciplinando as crianças ou os adolescentes de acordo com a lei do
pai, contribuindo com a ordem patriarcal, ainda que dela não sejam cúmplices.
“O gênero não é tão-somente social, dele participando também o corpo, quer como
mão-de-obra, quer como objeto social, quer, ainda, como reprodutor de seres
humanos.” (SAFFIOTI, 2004, p.125).
O regime patriarcal se sustenta em uma economia
domesticamente organizada, sendo uma maneira de assegurar aos homens os meios
necessários à produção diária e à reprodução da vida. Saffioti (2004, p.
105), indica que o regime patriarcal se: “[...] estabelece como um pacto masculino para
garantir a opressão de mulheres, as quais tornam-se seus objetos de satisfação
sexual e reprodutoras de seus herdeiros, de força de trabalho e de novas
reprodutoras, trata-se de um direito político”. A liberdade civil não pode ser
compreendida sem a criação do direito patriarcal dos homens sobre as mulheres, visto que:
“[...] este pacto é social, pois cria o direito político dos homens sobre as
mulheres, e é também sexual, porque estabelece um acesso sistemático dos homens
ao corpo feminino” (SAFFIOTI, 2004, p.54).
É simples perceber as facetas desse pacto em
nosso sistema jurídico. O Código Civil de 1916 dispunha que ao homem cabia o
exercício do pátrio poder e que à mulher, ao tornar-se esposa, tinha restrito
diversos direitos civis, que dependiam da autorização do marido para serem por
ela exercidos. A ausência, no Código Penal Brasileiro, da tipificação de
estupro no interior do casamento e, por outro lado, a: “[...] permanência da criminalização da mulher
que comete aborto, são exemplificadores da faceta sexual deste pacto, que
também controla os direitos reprodutivos da mulher” (FACIO, 1999, p.17).
Vive-se, portanto, sob a lei do pai e, assim, do
marido – figura que se constitui antes, por meio do contrato sexual. Não se
pode negar que há diferenças de grau no domínio dos homens sobre as mulheres,
até porque onde há dominação-subordinação, há resistência e luta. Neste
sentido, ainda que as mulheres tenham conquistado direitos e espaços políticos,
ocupando posições sociais e econômicas tradicionalmente reservadas aos homens,
a base patriarcal continua a mesma. É imprescindível, para a libertação e
emancipação das mulheres, uma mudança radical em todas as estruturas das quais
elas participam, de forma a esgotar todas as condições materiais de existência
das relações patriarcais.
Pode-se observar nítidos avanços conquistados
pelas mulheres no âmbito do Direito. As disposições, já referidas, do Código
Civil de 1916 sofreram significativas alterações com a criação do Estatuto da
Mulher Casada, o qual estabeleceu o exercício do pátrio poder a ambos os pais e
deixou de considerar a esposa como civilmente incapaz. Em 1988, com a
promulgação da Constituição Federal, foi reconhecida a igualdade entre homens e
mulheres, inclusive na sociedade conjugal. A conquista de direitos e o
reconhecimento da igualdade são indiscutivelmente importantes conquistas para
as mulheres, alterando em alguma medida as relações sociais.
Ainda que o Direito apresente uma capacidade de
modificar a realidade, esta, entretanto, encontra-se limitada pela estrutura
que o sustenta. As leis costumam ser mais reflexivas do que constitutivas de
realidades sociais. Enquanto sistema legitimador da estrutura
patriarcado-racismo-capitalismo, qualquer que seja a modificação que o Direito
possa incorporar, não o fará de forma a desafiar as bases daquela. Os direitos
conquistados pelas minorias políticas não se tornam plenos seja porque
incorporados a ordem capitalista, de forma que sua eficácia só se dá na medida
em que passa a atender os interesses do mercado, seja porque jamais adquirem
eficácia, sendo apenas letra da lei.
O sistema jurídico gira em torno da figura do
sujeito de direito, apresentando como fundamento, assim, a pessoa jurídica.
Estas são noções extremamente abstratas, pois é por meio da abstração das
diferenças que se dá a representação ideológica da sociedade como um conjunto
de indivíduos separados e livres, que supostamente estabelecem relações de
igualdade. Miaille (2005, p.118) esclarece que: “Este sujeito ainda que
abstrato é, no entanto, masculinizado já que goza de direitos políticos, os
quais, na ordem patriarcal de gênero, são titularizados pelos homens”. Assim, o
Direito, identifica-se com o polo masculino no sistema dualista de gênero,
sendo caracterizado como racional, objetivo, universal, ativo e dotado de
poder. Ainda que, a partir da Constituição Federal de 1988, as mulheres sejam
consideradas sujeitos de direito tais quais são os homens, o sistema jurídico
ainda se encontra estruturado sobre a figura masculina. A igualdade se dá,
portanto, comparando as mulheres aos homens. Não se rompe com a ordem
patriarcal de gênero e sequer se admite a complexidade dos sujeitos. Por detrás
da abstração existe um padrão de sujeito de direito: homem, branco, heterossexual
e burguês o qual tem seus interesses tutelados pelo sistema jurídico (MIAILLE,
2005). A identidade das mulheres com este sujeito jamais será plena, mas será
em maior ou menor grau a depender de sua raça/etnia, sexualidade e classe
social.
Pode-se perceber o quanto o Direito é
masculinizado por meio da ausência de intervenção jurídica e estatal em setores
marcadamente femininos no sentido de proteger ou garantir direitos às mulheres.
Olsen
(1990, p.12) esclarece que: “[...] não se considera as necessidades das mulheres
como igualmente humanas, sendo sempre tidas como especiais [...], só adquirem importância algumas diferenças
biológicas, como a gestação e a amamentação, para as quais são criadas
proteções especiais”. Nesse sentido, entende-se, por exemplo, que a licença à
maternidade é um privilégio para as mulheres e não uma medida necessária à
coletividade. É por se tratar de um interesse desta sociedade que se
responsabiliza as mulheres pela garantia da reprodução saudável dos seres
humanos.
O Direito, deste modo, tradicionalmente ignora
as relações que se dão no ambiente privado, o qual é socialmente destinado às
mulheres. Saffioti (2004, p. 130) chama a atenção para que lembremos
que: “[...] o pacto masculino, que confere direitos políticos e sexuais sobre
as mulheres, dando origem ao patriarcado. Estes direitos têm como titulares, os
homens e, como tais, estes é que estabelecerão, dentro dos limites do pacto,
como exercerão esta dominação”. A autora ainda infere que existe a lei do
Estado e a lei do pai, sendo que uma legitima e integra a outra, pois não
existe processo de dominação separado do de exploração. O direito patriarcal
impregna o Estado e é dele que deriva a liberdade civil. Ao estabelecer este
poder de controle dos homens sobre as mulheres, pressupõe-se uma relação de
violência, que se dá a partir do domínio masculino de um território,
principalmente o doméstico/ familiar.
Este processo de territorialização do domínio
não é meramente geográfico, mas principalmente simbólico. “A violência
doméstica contra as mulheres não se dá, assim, apenas nos limites do domicílio,
podendo um elemento humano pertencente àquele território sofrer violência ainda
que não se encontre geograficamente situado nele” (SAFFIOTI, 2004,
p.72). A constante ameaça de agressões
masculinas que assombra as mulheres, principalmente no ambiente doméstico,
funciona como mecanismo de sujeição destas aos homens. O Direito aparentemente
ignora esta relação de dominação-subordinação ao se omitir diante da violência
contra a mulher, culpabilizando as vítimas de violência sexual, abstendo-se de
intervir no ambiente privado, fechando os olhos para a prostituição feminina e
a exploração sexual, permitindo a hiper-sexualização dos corpos das mulheres
negras, ignorando a desvalorização do trabalho feminino. Nesse sentido, na próxima sessão iniciamos a
discussão sobre gênero e violência.
[1]Tão-somente recorrendo ao bom senso, presume-se que nenhum(a)
estudioso(a) sério(a) consideraria igual o patriarcado reinante na
Atenas clássica ou na Roma antiga ao que vige nas sociedades urbano-industriais
do Ocidente. Mesmo tomando apenas o momento atual, o poder de fogo do patriarcado,
vigente dentre os povos africanos e/ou muçulmanos, é extremamente grande no
que tange à subordinação das mulheres aos homens. Observam-se, por conseguinte,
diferenças de grau no domínio exercido por
homens sobre (ou contra) mulheres. A natureza do fenômeno, entretanto, é a
mesma apresenta a legitimidade que lhe atribui sua naturalização (SAFFIOTI,
2006, p.92).
[2] O filme LANTERNAS VERMELHAS apresenta esta temática na China
continental. Além de o patriarcado fomentar a guerra entre as mulheres,
funciona como uma engrenagem quase automática, pois pode ser acionada por
qualquer um, inclusive por mulheres. Quando a quarta esposa, em estado etílico,
denuncia a terceira, que estava com seu amante, à segunda, é esta que faz o
flagrante e que toma as providências para que se cumpra a tradição: assassinato
da “traidora”. O patriarca nem sequer estava presente no palácio, no qual se
desenrolaram os fatos. Durante toda a película, não se vê o rosto deste homem,
revelando este fato que Zhang Yimou captou corretamente esta estrutura
hierárquica, que confere aos homens o direito de dominar as mulheres,
independentemente da figura humana singular investida deste poder. Quer se
trate de Pedro, João ou Zé Ninguém, a máquina funciona até mesmo acionada por
mulheres. Aliás, imbuídas da ideologia que dá cobertura ao patriarcado,
mulheres desempenham, com maior ou menor freqüência e com mais ou menos rudeza,
as funções do patriarca, disciplinando filhos e outras crianças ou
adolescentes, segundo a lei do pai. Ainda que não sejam cúmplices deste regime,
colaboram para alimentá-lo (SAFFIOTI, 2006, p.92).
[3]Androcentrismo é a visão de mundo que coloca o homem no centro de todas as
coisas.
Esta concepção da realidade baseada na ideia de que o olhar masculino é a única possível e universal, por isso é generalizada para toda a humanidade, sejam homens ou mulheres.
Androcentrismo envolve a invisibilidade das mulheres e seu mundo, a negação de um olhar feminino e ocultação de contribuições feitas por mulheres. Disponível em: <http://www.mujeresenred.net/spip.php?article1600>. Acesso em: 20 mai. 2017.
Esta concepção da realidade baseada na ideia de que o olhar masculino é a única possível e universal, por isso é generalizada para toda a humanidade, sejam homens ou mulheres.
Androcentrismo envolve a invisibilidade das mulheres e seu mundo, a negação de um olhar feminino e ocultação de contribuições feitas por mulheres. Disponível em: <http://www.mujeresenred.net/spip.php?article1600>. Acesso em: 20 mai. 2017.
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1986.
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Dicionário Crítico do Feminismo. São Paulo: UNESP, 2009.
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gênero: da memória do passado ao projeto de futuro. In: GODINHO, Tatau;
SILVEIRA, Maria Lúcia (Orgs.). Políticas
públicas e igualdade de gênero. 1. ed. São Paulo: Coordenadoria Especial da
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