sábado, 25 de maio de 2019

VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER - O PATRIARCADO: TRADICIONAL X INOVADOR





Na literatura sobre violencia cntra a mulher, encontramos vários pontos de vista e uma vasta produção sobre essa temática. A opção foi por uma linha que reconhece que existem vários  entendimentos sob as várias formas de violência e de opressão vivenciadas pelas mulheres até os dias atuais, e pelo entendimento de que  homens e mulheres vivem sob condições objetivas e subjetivas desiguais às quais são “produto” das relações sociais. Dessa forma, a construção social às respostas que dão às suas necessidades e vontades tem na cotidianidade sua determinação central. Isso significa que o sujeito histórico é produzido pelas condições materiais da vida social.
Ao estudar a história da humanidade, observamos que, dos registros encontrados, a maioria apresenta relatos sobre o papel secundário da mulher em relação ao homem. De acordo com Comparato (2003), o Cristianismo continuou admitindo, durante muitos séculos, a legitimidade da escravidão e a inferioridade natural da mulher em relação ao homem. Ainda, nesse sentido, Puleo (2004, p. 13) acrescenta que: “as grandes religiões têm justificado ao longo dos tempos os hábitos e condutas próprios de cada sexo”.
Para Engels (2012), a origem da família tal como ela se apresenta até os dias atuais, teve seu início no modo de produção capitalista.  Para ele, a ideia de sujeição feminina surge com a família monogâmica e com o casamento que institui ao homem o poder supremo sobre a constituição familiar. Gutierrez (1985), sustenta que a ascensão da sociedade burguesa transformou a condição da mulher. A burguesia ascendente precisava de uma nova imagem da mulher, cria-se, então, a imagem da mulher menina e exalta a mulher mãe. Sob essa afirmação, Alambert (1986, p.86) explica que: “[...] o capitalismo precisou articuladar relações de parentesco com as demais relações sociais de acordo com suas necessidades”, formulando modelos de como cada um dos membros da família deveria se comportar e agir. Para a mulher foi designada a sujeição, primeiro ao pai e depois ao marido, cujo objetivo era manter o ideal da família burguesa.  Um sólido ambiente familiar, lar acolhedor, filhos educados e esposa dedicada ao marido era um tesouro social imprescindível, a mulher deveria seguir as orientações do marido, pois não tinha autonomia, sendo que suas “falhas” poderiam ser corrigidas. Esse modo de viver, imposto pelo homem e reforçado pelo Cristianismo por meio de valores e normas conduziram o mundo feminino por vários séculos.
De acordo com Giordani (2006), a Igreja também contribuiu para o direcionamento das questões familiares, considerando o casamento uma instituição, sendo que toda a mulher deveria se casar e constituir uma família, devendo obediência ao marido. Outro fator importante conferido pela igreja foi o tabu da virgindade, pelo qual a mulher deveria se manter virgem a fim de obter um bom casamento, impondo regras quanto à conduta moral e social da mulher. É nesta conjuntura que o patriarcado se insere na construção social e se constitui como padrão regulatório do Estado. Segundo Saffioti (2004, p.53), “[...] a ideologia patriarcal refere-se à hierarquia existente entre homens e mulheres”.
Para darmos continuidade a nossa reflexão, faz-se imprescindível esclarecer o conceito de patriarcado. Para isso iniciaremos a discussão com o significado da palavra patriarcado segundo o conceito de Delphy (2009):

A palavra “patriarcado” – (do grego, pater= pai + arkhe= origem e comando)” é antiga, porém sofreu alterações em seu sentido ao longo do tempo, ou seja, no final do século XIX, após a divulgação das primeiras teorias sobre os estágios da evolução da sociedade humana, nos quais o sentido da palavra estava ligado à organização da sociedade. No fim do século XX com a segunda onda do feminismo em 1970, considera-se o patriarcado como sinônimo de “dominação masculina” ou “de opressão, subordinação, sujeição das mulheres” [...] ou ainda “condição feminina” (DELPHY, 2009, p. 173).

A autora apresenta as transformações do significado da palavra patriarcado no final do século XIX, quando seu sentido estava ligado à evolução da sociedade. Um século depois a palavra é tomada por outro significado completamente diferente, passando a representar dominação, opressão e sujeição feminina.
Outra definição de patriarcado é apresentada por Hartmann (1979 apud SAFFIOTI, 2015, p.42):  “[...] patriarcado[1] é um pacto masculino para garantir a opressão de mulheres e as relações hierárquicas entre os homens, assim como a solidariedade existente entre eles, capacita à categoria constituída por homens a estabelecer e a manter o controle[2] sobre as mulheres”.
Silva (2014), amplia ainda mais esta concepção de patriarcado, apresentado a existência de uma base material:

Podemos definir o patriarcado como um conjunto de relações sociais entre os homens, que possui uma base material, e que, embora hierárquico, estabelece ou cria interdependência e solidariedade entre os homens que os permitem dominar as mulheres. Não obstante o patriarcado seja hierárquico e homens de diferentes classes, raças e grupos étnicos ocupem posições diferentes no patriarcado, eles também congregam-se em sua dominação compartilhada sobre suas mulheres; eles são mutuamente dependentes na manutenção dessa dominação controle e violência contra as mulheres. (HARTMANN, 1984 apud SILVA, 2014, p.48).

Deste modo, entende-se que o patriarcado está pautado na maneira em que os homens asseguram para si e para seus dependentes, os meios necessários à produção diária da vida e a sua reprodução, para Saffioti (2006, p.95): “[...]existe uma economia domesticamente organizada a qual sustenta a ordem patriarcal”. Para a autora os diferentes machos estabelecem uma forma de hierarquia que se apoiam na idade, nas funções sociais e na solidariedade entre os homens gerando uma interdependência entre estes fatores, os quais permitem a determinação do destino das mulheres como categoria social.

Neste regime, as mulheres são objetos da satisfação sexual dos homens, reprodutoras de herdeiros, de força de trabalho e de novas reprodutoras. Diferentemente dos homens como categoria social, a sujeição das mulheres, também como grupo, envolve prestação de serviços sexuais a seus dominadores. Esta soma/mescla de dominação e exploração é aqui entendida como opressão. Ou melhor, como não se trata de fenômeno quantitativo, mas qualitativo, ser explorada e dominada significa uma só realidade. Uma mulher não é discriminada por ser mulher + por ser pobre + por ser negra (SAFFIOTI, 2006, p.38).

De acordo com Saffioti (2006, p.76), “[...] toda esta multiplicidade de fatores permanece porque a base material do patriarcado não foi destruída, apesar dos avanços femininos, continua preservada na forma de organização da sociedade”. A autora ainda expõe que o patriarcado representa a dominação da categoria social dos homens sobre as mulheres, ou seja, não é o poder de um único indivíduo do sexo masculino, sobre uma mulher, mas é o exercício do poder que a categoria homens exercem sobre as mulheres, podendo as próprias mulheres estarem imbuídas de patriarcalismo e o exercerem contra outras mulheres.  
Para Saffioti (2015, p.35), a “supremacia masculina não está em sua força física, mas na aceitação coletiva de um sistema de valores androcêntricos[3]”. 

O patriarcado, em presença de – na verdade, enovelado com – racismo e classes sociais [...], apresenta não apenas uma hierarquia entre as categorias de sexo; trazendo também, em seu bojo, uma contradição de interesses. Isto é, a preservação do status quo consulta os interesses dos homens, ao passo que transformações no sentido da igualdade social entre homens e mulheres respondem às aspirações femininas. Não há, pois, possibilidade de se considerarem os interesses das duas categorias como apenas conflitantes. São, com efeito, contraditórios. Não basta ampliar o campo de atuação das mulheres. Em outras palavras, não basta que uma parte das mulheres ocupe posições econômicas, políticas, religiosas etc., tradicionalmente reservadas aos homens. Como já se afirmou, qualquer que seja a profundidade da exploração-dominação da categoria mulheres pela dos homens, a natureza do patriarcado continua a mesma. A contradição não encontra solução neste regime. Ela admite a superação, o que exige transformações radicais no sentido da preservação das diferenças e da eliminação das desigualdades, pelas quais é responsável a sociedade. Já em uma ordem não-patriarcal de gênero, a contradição não está presente. Conflitos podem existir e para este tipo de fenômeno há solução nas relações sociais de gênero isentas de hierarquias, sem mudanças cruciais nas relações sociais mais amplas (SAFFIOTI, 2006, p.45).

Segundo Saffioti (2006), a violência é utilizada como mecanismo e expressão da dominação/exploração patriarcal e se articula a outros sistemas de dominação, como classe e etnia, sendo sustentada na base material, pois, a riqueza socialmente produzida por homens e mulheres é mantida sob o controle e domínio masculino, deste modo, os homens julgam/consideram as mulheres como incapazes no processo de gestão/gerenciamento, colocando-as em posição de inferioridade e não apenas como diferente.
Dentro do contexto familiar, o patriarcado, como organização social de poder, está formatado no modelo de controle e no medo, atitude/sentimento desenvolvendo um ciclo vicioso (SAFFIOTI, 2006). Deste modo, as relações patriarcais no âmbito da vida privada se expressam, dentre outras formas, pelo controle das decisões do ambiente familiar, pelo homem, o qual tendo autorização social aplica a “correção”, de acordo com seu entendimento, logo a violência no ambiente doméstico se tornou uma rotina justificada, pois o homem cansado da rotina de trabalho diário no mundo produtivo, ainda precisa direcionar o mundo doméstico, sendo este um fardo.  Para aliviar seu cansaço, então, foi lhe permitido agir com violência contra quem desobedecesse as suas ordens (DINIZ, 2012).

Dessa mesma forma a não percepção desse controle muitas vezes é escamoteada pela institucionalização do papel social da mulher na esfera da relação conjugal e familiar, papel que, quando não fielmente cumprido pelas mulheres, estas passam a ser vítimas da violência masculina, como forma de o homem restabelecer o poder sobre esse segmento (DINIZ, 2012, p.195).

A violência dos homens contra as mulheres durante muito tempo esteve legitimada e foi considerada “normal” pela sociedade. As mulheres recebiam uma educação que as convenciam sobre a existência de um destino definido, de forma que a elas caberia a execução fática de papéis sociais estabelecidos, como esposa e mãe.  Romper com essa concepção de mundo e de destino fez as mulheres entenderem que seu papel na sociedade vai além da reprodução humana e manutenção da família. Isso só foi possível a partir do movimento feminista que trouxe a compreensão de que estes papéis eram construções sociais e, que as mulheres poderiam negar qualquer condição que fosse exclusivamente do sexo feminino como: a maternidade, o casamento, o espaço doméstico, a separação entre o público e o privado, enfim, o feminismo apresentou às mulheres a possibilidade de negação às relações hierárquicas impostas secularmente pelo modelo de sociedade burguesa patriarcal.
Saffioti (2006), teórica brasileira de expressiva contribuição à produção acadêmica feminista, aponta a necessidade de utilização da categoria gênero associada ao conceito de patriarcado, pois é ele quem revelará as relações de dominação-submissão e o modo como elas se estabeleceram. A partir desta compreensão, torna-se possível visualizar de forma mais nítida como o direito se estabelece como um sistema patriarcal e, portanto, legitimador da submissão feminina.
De acordo com Saffioti (2015), estima-se que o patriarcado tenha cerca de 2.603-4 anos sendo, portanto, muito jovem se comparado à idade da humanidade, que se estima entre 250 e 300 mil anos. O gênero, por sua vez, não enquanto compreensão teórica, mas como construção social de imagens projetadas sobre o masculino e o feminino é, segundo a autora, inerente às sociedades, assim, o gênero é: “[...] estruturador da divisão social (e, assim, sexual) do trabalho, na medida que ela se faz correspondendo ao critério de sexo. O que não implica, necessariamente, na desvalorização das atividades atribuídas às mulheres” (SAFFIOTI, 2004, p. 60).
Nas discussões de Saffioti (2004), a autora esclarece que o patriarcado é, por conseguinte, uma especificidade das relações de gênero, estabelecendo, a partir delas, um processo de dominação-subordinação. Este só pode, então, configurar-se em uma relação social. Pressupõe-se, assim, a presença de pelo menos dois sujeitos: dominadores e dominados. Enquanto sujeitos, são sempre atuantes. “A ideologia sexista, portanto, está corporificada nos agentes sociais de ambos os polos da relação de dominação-subordinação” (SAFFIOTI, 2004, p.125). A autora ainda ressalta que as mulheres também desempenham, com maior ou menor frequência, as funções do patriarca, disciplinando as crianças ou os adolescentes de acordo com a lei do pai, contribuindo com a ordem patriarcal, ainda que dela não sejam cúmplices. “O gênero não é tão-somente social, dele participando também o corpo, quer como mão-de-obra, quer como objeto social, quer, ainda, como reprodutor de seres humanos.” (SAFFIOTI, 2004, p.125). 
O regime patriarcal se sustenta em uma economia domesticamente organizada, sendo uma maneira de assegurar aos homens os meios necessários à produção diária e à reprodução da vida. Saffioti (2004, p. 105), indica que o regime patriarcal se: “[...] estabelece como um pacto masculino para garantir a opressão de mulheres, as quais tornam-se seus objetos de satisfação sexual e reprodutoras de seus herdeiros, de força de trabalho e de novas reprodutoras, trata-se de um direito político”. A liberdade civil não pode ser compreendida sem a criação do direito patriarcal dos homens sobre as mulheres, visto que: “[...] este pacto é social, pois cria o direito político dos homens sobre as mulheres, e é também sexual, porque estabelece um acesso sistemático dos homens ao corpo feminino” (SAFFIOTI, 2004, p.54).
É simples perceber as facetas desse pacto em nosso sistema jurídico. O Código Civil de 1916 dispunha que ao homem cabia o exercício do pátrio poder e que à mulher, ao tornar-se esposa, tinha restrito diversos direitos civis, que dependiam da autorização do marido para serem por ela exercidos. A ausência, no Código Penal Brasileiro, da tipificação de estupro no interior do casamento e, por outro lado, a:  “[...] permanência da criminalização da mulher que comete aborto, são exemplificadores da faceta sexual deste pacto, que também controla os direitos reprodutivos da mulher” (FACIO, 1999, p.17).         
Vive-se, portanto, sob a lei do pai e, assim, do marido – figura que se constitui antes, por meio do contrato sexual. Não se pode negar que há diferenças de grau no domínio dos homens sobre as mulheres, até porque onde há dominação-subordinação, há resistência e luta. Neste sentido, ainda que as mulheres tenham conquistado direitos e espaços políticos, ocupando posições sociais e econômicas tradicionalmente reservadas aos homens, a base patriarcal continua a mesma. É imprescindível, para a libertação e emancipação das mulheres, uma mudança radical em todas as estruturas das quais elas participam, de forma a esgotar todas as condições materiais de existência das relações patriarcais. 
Pode-se observar nítidos avanços conquistados pelas mulheres no âmbito do Direito. As disposições, já referidas, do Código Civil de 1916 sofreram significativas alterações com a criação do Estatuto da Mulher Casada, o qual estabeleceu o exercício do pátrio poder a ambos os pais e deixou de considerar a esposa como civilmente incapaz. Em 1988, com a promulgação da Constituição Federal, foi reconhecida a igualdade entre homens e mulheres, inclusive na sociedade conjugal. A conquista de direitos e o reconhecimento da igualdade são indiscutivelmente importantes conquistas para as mulheres, alterando em alguma medida as relações sociais.
Ainda que o Direito apresente uma capacidade de modificar a realidade, esta, entretanto, encontra-se limitada pela estrutura que o sustenta. As leis costumam ser mais reflexivas do que constitutivas de realidades sociais. Enquanto sistema legitimador da estrutura patriarcado-racismo-capitalismo, qualquer que seja a modificação que o Direito possa incorporar, não o fará de forma a desafiar as bases daquela. Os direitos conquistados pelas minorias políticas não se tornam plenos seja porque incorporados a ordem capitalista, de forma que sua eficácia só se dá na medida em que passa a atender os interesses do mercado, seja porque jamais adquirem eficácia, sendo apenas letra da lei. 
O sistema jurídico gira em torno da figura do sujeito de direito, apresentando como fundamento, assim, a pessoa jurídica. Estas são noções extremamente abstratas, pois é por meio da abstração das diferenças que se dá a representação ideológica da sociedade como um conjunto de indivíduos separados e livres, que supostamente estabelecem relações de igualdade. Miaille (2005, p.118) esclarece que: “Este sujeito ainda que abstrato é, no entanto, masculinizado já que goza de direitos políticos, os quais, na ordem patriarcal de gênero, são titularizados pelos homens”. Assim, o Direito, identifica-se com o polo masculino no sistema dualista de gênero, sendo caracterizado como racional, objetivo, universal, ativo e dotado de poder. Ainda que, a partir da Constituição Federal de 1988, as mulheres sejam consideradas sujeitos de direito tais quais são os homens, o sistema jurídico ainda se encontra estruturado sobre a figura masculina. A igualdade se dá, portanto, comparando as mulheres aos homens. Não se rompe com a ordem patriarcal de gênero e sequer se admite a complexidade dos sujeitos. Por detrás da abstração existe um padrão de sujeito de direito: homem, branco, heterossexual e burguês o qual tem seus interesses tutelados pelo sistema jurídico (MIAILLE, 2005). A identidade das mulheres com este sujeito jamais será plena, mas será em maior ou menor grau a depender de sua raça/etnia, sexualidade e classe social.
Pode-se perceber o quanto o Direito é masculinizado por meio da ausência de intervenção jurídica e estatal em setores marcadamente femininos no sentido de proteger ou garantir direitos às mulheres. Olsen (1990, p.12) esclarece que: “[...] não se considera as necessidades das mulheres como igualmente humanas, sendo sempre tidas como especiais [...], só adquirem importância algumas diferenças biológicas, como a gestação e a amamentação, para as quais são criadas proteções especiais”. Nesse sentido, entende-se, por exemplo, que a licença à maternidade é um privilégio para as mulheres e não uma medida necessária à coletividade. É por se tratar de um interesse desta sociedade que se responsabiliza as mulheres pela garantia da reprodução saudável dos seres humanos.
O Direito, deste modo, tradicionalmente ignora as relações que se dão no ambiente privado, o qual é socialmente destinado às mulheres. Saffioti (2004, p. 130) chama a atenção para que lembremos que: “[...] o pacto masculino, que confere direitos políticos e sexuais sobre as mulheres, dando origem ao patriarcado. Estes direitos têm como titulares, os homens e, como tais, estes é que estabelecerão, dentro dos limites do pacto, como exercerão esta dominação”. A autora ainda infere que existe a lei do Estado e a lei do pai, sendo que uma legitima e integra a outra, pois não existe processo de dominação separado do de exploração. O direito patriarcal impregna o Estado e é dele que deriva a liberdade civil. Ao estabelecer este poder de controle dos homens sobre as mulheres, pressupõe-se uma relação de violência, que se dá a partir do domínio masculino de um território, principalmente o doméstico/ familiar.
Este processo de territorialização do domínio não é meramente geográfico, mas principalmente simbólico. “A violência doméstica contra as mulheres não se dá, assim, apenas nos limites do domicílio, podendo um elemento humano pertencente àquele território sofrer violência ainda que não se encontre geograficamente situado nele” (SAFFIOTI, 2004, p.72).  A constante ameaça de agressões masculinas que assombra as mulheres, principalmente no ambiente doméstico, funciona como mecanismo de sujeição destas aos homens. O Direito aparentemente ignora esta relação de dominação-subordinação ao se omitir diante da violência contra a mulher, culpabilizando as vítimas de violência sexual, abstendo-se de intervir no ambiente privado, fechando os olhos para a prostituição feminina e a exploração sexual, permitindo a hiper-sexualização dos corpos das mulheres negras, ignorando a desvalorização do trabalho feminino.  Nesse sentido, na próxima sessão iniciamos a discussão sobre gênero e violência.


[1]Tão-somente recorrendo ao bom senso, presume-se que nenhum(a) estudioso(a) sério(a) consideraria igual o patriarcado reinante na Atenas clássica ou na Roma antiga ao que vige nas sociedades urbano-industriais do Ocidente. Mesmo tomando apenas o momento atual, o poder de fogo do patriarcado, vigente dentre os povos africanos e/ou muçulmanos, é extremamente grande no que tange à subordinação das mulheres aos homens. Observam-se, por conseguinte, diferenças de grau no domínio exercido por homens sobre (ou contra) mulheres. A natureza do fenômeno, entretanto, é a mesma apresenta a legitimidade que lhe atribui sua naturalização (SAFFIOTI, 2006, p.92).
[2] O filme LANTERNAS VERMELHAS apresenta esta temática na China continental. Além de o patriarcado fomentar a guerra entre as mulheres, funciona como uma engrenagem quase automática, pois pode ser acionada por qualquer um, inclusive por mulheres. Quando a quarta esposa, em estado etílico, denuncia a terceira, que estava com seu amante, à segunda, é esta que faz o flagrante e que toma as providências para que se cumpra a tradição: assassinato da “traidora”. O patriarca nem sequer estava presente no palácio, no qual se desenrolaram os fatos. Durante toda a película, não se vê o rosto deste homem, revelando este fato que Zhang Yimou captou corretamente esta estrutura hierárquica, que confere aos homens o direito de dominar as mulheres, independentemente da figura humana singular investida deste poder. Quer se trate de Pedro, João ou Zé Ninguém, a máquina funciona até mesmo acionada por mulheres. Aliás, imbuídas da ideologia que dá cobertura ao patriarcado, mulheres desempenham, com maior ou menor freqüência e com mais ou menos rudeza, as funções do patriarca, disciplinando filhos e outras crianças ou adolescentes, segundo a lei do pai. Ainda que não sejam cúmplices deste regime, colaboram para alimentá-lo (SAFFIOTI, 2006, p.92).


[3]Androcentrismo é a visão de mundo que coloca o homem no centro de todas as coisas.
Esta concepção da realidade baseada na ideia de que o olhar masculino é a única possível e universal, por isso é generalizada para toda a humanidade, sejam homens ou mulheres.
Androcentrismo envolve a invisibilidade das mulheres e seu mundo, a negação de um olhar feminino e ocultação de contribuições feitas por mulheres. Disponível em: <http://www.mujeresenred.net/spip.php?article1600>.  Acesso em: 20 mai. 2017.




REFERENCIAS:

ALAMBERT, Zuleika. Feminismo: o ponto de vista marxista. São Paulo: Nobel,
1986. 

COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 3 ed. São Paulo: Saraiva, 2003.

DINIZ, Désirée Drumond do Nascimento. O processo de criminalização da juventude pobre: entre os discursos da mídia empresarial e a formação em serviço social. In: Encontro Nacional de Política, VII. Anais. 2012.
DELPHY, Cristiane. Patriarcado (teorias do). In: HIRATA, Helena et al (Org.). Dicionário Crítico do Feminismo. São Paulo: UNESP, 2009.



ENGELS, Friedrich. A origem da familia, da propriedade privada e do estado. 3.
ed. São Paulo: Expressão Popular, 2012.

FACIO, Alda. Hacia outra teoria crítica Del Derecho. Santiago: LOM Ediciones, 1999. 

GIORDANI, Annecy Tojeiro. Violências contra a mulher. São Caetano do Sul: Yendis Editora, 2006.

GUTIÉRREZ, Raquel. O feminismo é um humanismo. Rio de Janeiro: Antares, 1985.

SAFFIOTTI, Heleieth Iara Bongiovani. Manual de Capacitação Multidisciplinar: Gênero, Ontogênese e Filogênese. Mato Grosso: Secretaria Especial de Políticas Para Mulheres, 2006. Disponível em: <www.spmulheres.gov.br>. Acesso em: 08 set. 2016.

OLSEN, Frances. El sexo Del derecho. In: The Politics of Law. Nova Iorque: David Kairys, 1990.

PULEO, Alicia. Filosofia e gênero: da memória do passado ao projeto de futuro. In: GODINHO, Tatau; SILVEIRA, Maria Lúcia (Orgs.). Políticas públicas e igualdade de gênero. 1. ed. São Paulo: Coordenadoria Especial da Mulher, 2004.




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