O
gênero multimodal meme
A existência de textos
multimodais nos leva a questionar se há gêneros textuais multimodais e como
eles se organizam. Tendo em vista que gêneros textuais são “textos
materializados em situações comunicativas recorrentes”, ou seja, relacionados a
interações sociais, tendo funções específicas nas diversas esferas do nosso
cotidiano (MARCUSCHI, 2008, p. 155), Kress (2003) chega à conclusão de que é
possível termos gêneros multimodais.
Entretanto,
temos que ainda estruturar teorias e organizações seguindo esta premissa, pois
as estruturas e classificações que temos hoje são em sua maioria referentes a
aspectos linguísticos. No presente estudo iremos dar maior atenção a um gênero
textual multimodal muito comum na vida de nossos alunos e que por isso merece
maior reflexão: os memes da internet.
Os
memes sempre fizeram parte da cultura humana, contudo, o conceito de meme
ganhou força nos últimos anos graças ao surgimento da internet. Hoje, quando
pensamos na palavra meme, vêm em nossa mente variados exemplos de postagens
engraçadas que vimos no Facebook, Tumblr, Twitter, Instagram e em outras redes
sociais do nosso cotidiano. Sem falar na presença desses mesmos memes em
propagandas, palestras, e quem sabe até mesmo na escola. Entretanto, o termo é
mais antigo do que a própria internet, aparecendo pela primeira vez em 1976, no
livro do biólogo Richard Dawkins, O Gene Egoísta. Segundo Dawkins (2006), a
transmissão cultural é análoga à transmissão genética, pois sua evolução se dá
também pela imitação. Desta forma, o autor deu o nome de meme à unidade de
replicação da cultura, lembrando a palavra grega para imitação, “mimeme”, ao
mesmo tempo sendo um monossílabo que rimasse com gene, unidade da
hereditariedade. 26 Meme seria tudo aquilo que se multiplica na cultura por meio
de uma cópia. Alguns exemplos de memes, de acordo com Dawkins, seriam músicas,
ideias, frases de efeito, roupas, modas e outros aspectos culturais. O autor
afirma que os memes se propagam passando de cérebro a cérebro por um processo
de imitação quase que viral, competindo entre si por nossa atenção e por espaço
em nossa memória, assim como, nas tecnologias às quais eles se veiculam. Isto
é, existem memes que fazem mais sucesso que outros e essa seria a seleção
natural dos memes. As três características principais de um meme de sucesso na
teoria de Dawkins (2006) são a fidelidade, a fecundidade e a longevidade. Para
que um meme tenha sucesso, ele deve ter a capacidade de ser copiado sem muitas
mudanças, saindo relativamente intacto (fidelidade). Além disso, ele deve ser
capaz de ser copiado rapidamente, influenciando o maior número de pessoas em
pouco tempo (fecundidade), assim como deve ser capaz de ficar em evidência para
novas cópias pelo maior tempo possível (longevidade).
Há
muitas críticas à teoria de Dawkins, principalmente devido ao fato de o sujeito
envolvido nesse processo de replicação ser descrito pelo autor como um sujeito
passivo (LANKSHEAR; KNOBEL, 2006; SOUZA, 2014; HORTA, 2015). Segundo Lankshear
e Knobel (2006), Dawkins tem a tendência de dar muita autonomia aos memes, pois
o autor menciona que nós, humanos, somos somente máquinas de transmissão dos
memes e que nós devemos nos adaptar a eles, não o contrário. Já os memes que
conhecemos, os memes da internet4 , surgiram com o crescimento das tecnologias
de edição e criação de imagens. Horta (2015) define os memes da internet como
práticas da internet, ideias, brincadeiras, piadas que se espalham de maneira
viral, repetindo um modelo formal básico. São grande parte de baixa qualidade e
com aspecto grosseiro por serem feitos em sua maioria por amadores (HORTA,
2015) e retratam a vida das pessoas e suas dificuldades, acrescentando um tom
irônico e até satírico (MORAES, 2013).
Geralmente
os memes da internet são postados em diferentes redes sociais e utilizam-se de
diferentes formas de expressão - imagem, foto-legendas, vídeo, tirinhas, gif,
hashtags, dentre outras - o que os torna um gênero textual multimodal. Para
Knobel e Lankshear (2007), os memes online são outros tipos de memes e, no
lugar da fidelidade, uma das suas características principais seria a
replicabilidade, pois, no final das contas, o meme não permanece intacto quando
distribuído, querendo ou não ele é modificado de alguma maneira. Contudo, a
mutação não precisa ser um fator ruim já que auxilia na fecundidade do
meme. Cada ocorrência memética, assim, torna-se uma releitura do meme de origem
(HORTA, 2015).
Ao
falar dessa mutação dos memes, Knobel e Lankshear (2007) acrescentam outras
três características aos memes da internet: a justaposição, a intertextualidade
e o humor. Em muitos memes da internet verificamos a utilização de acoplamentos
de imagens justapostas, sendo resultados de bricolagens e remixagens realizadas
pelos usuários ao modificarem um meme já existente. Remixes são organizações e
adaptações de algo já existente, geralmente focando na criação de uma versão
alterada e com novos sentidos de um trabalho (BUZATO et al., 2013; LAMB, 2017).
Muitas dessas remixagens acontecem de maneira a relacionar outros textos e
ideias, o que nos remete à segunda característica apontada por Knobel e
Lankshear (2007), a intertextualidade, a qual ocorre em um meme quando este faz
referência a eventos, artefatos e práticas da cultura popular. Por sua vez, o
humor tornou-se mais livre com as novas tecnologias, pois o usuário é capaz de
buscar o que o faz rir e transmitir esse conteúdo aos amigos, proliferando o
riso. Entretanto, o próximo interlocutor deve conhecer o assunto tratado no
meme para entender, ou seja, para ocorrer o riso é necessária uma identificação
por parte do leitor (MORAES, 2013).
Nos
memes o humor é abordado através de ideias absurdas que dão maior atenção a
coisas banais do cotidiano ou através de algum comentário satírico de crítica
social (KNOBEL; LANKSHEAR, 2007). Já para Horta (2015), o meme seria a
regularidade, sendo as duas únicas regras a paródia e a repetição. A paródia
seria a natureza intertextual do meme, pois apropriamos algo seguido de uma
recriação. Já a repetição de um meme seria a réplica de uma leitura possível do
meme original. Por sua vez, há dois tipos de repetição, segundo a autora: pela
forma e pelo conteúdo. Lankshear e Knobel (2007) lembram que, assim como outros
gêneros textuais, o meme faz parte de eventos interacionais muito maiores que a
leitura e a escrita, pertencendo a uma prática de letramento a qual envolve as
pessoas decidindo como escolherão interpretar um meme e como irão passá-lo aos
outros, assim como o contexto em que ele está inserido, as experiências e
valores relacionados. Horta (2015) corrobora ao dizer que existe uma comunidade
linguística interpretativa do meme e que esse não pode ser entendido fora do
seu momento histórico e da sua comunidade. Como afirmam Lankshear e Knobel
(2007), olhar para um meme de maneira que ele faça sentido por ele mesmo é
deixar de lado o que é mais importante nele: o seu contexto.
Por
isso a relevância em se trabalhar com novos letramentos e, consequentemente,
com novos gêneros textuais multimodais em sala de aula, no caso dessa proposta,
o meme. O objetivo não seria somente agregar os alunos a essas comunidades de
prática, visto que muitos já estão inseridos, mas sim fazer com que eles
reflitam e identifiquem, por exemplo, quais memes os influenciam, avaliando os
seus efeitos (LANKSHEAR; KNOBEL, 2006). Logo, nós, professores, somos
responsáveis pela formação de consumidores e produtores críticos de memes.
MORAES, P. B. O compartilhamento de conteúdo a partir de fan pages de memes de humor no Facebook: uma análise das postagens do 9GAG, 9GAG Brazil e Site dos Menes. 2013. 72 f. Porto Alegre. Trabalho de conclusão de curso (Comunicação Social) - Faculdade de 58 Biblioteconomia e Comunicação, Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Porto Alegre, 2013.
SOUZA, H. da C. A. de. Memes (?) do Facebook: reflexões sobre esse fenômeno de comunicação da cultura ciber. Temática, João Pessoa, NAMID/UFPB, ano X, n. 07, p. 156- 174, jul/2014.
https://lume.ufrgs.br/handle/10183/178865
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