sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

Intervenção e Aprendizagem 2 - Desenvolvimento e identidade do adolescente

Então, um belo dia, a lagarta inicia a construção do seu casulo. Este ser, que vivia em contato íntimo com a natureza e a vida exterior, se fecha dentro de uma casca, dentro de si. E dá o início à transformação que o levara um outro ser, mas livre, mais bonito (segundo algumas estéticas) e dotado de asas que lhe permitirão voar.
Daniel Becker

É assim que Becker descreve o processo de metamoforse pelo qual a criança inicia sua entrada no mundo adolescente. Para o autor, é necessário que a criança passe por algumas transformações e que, em alguns momentos, isole-se em seu casulo para poder ingressar na adolescência e chegar, finalmente, à idade adulta, momento em que já terá amadurecido, e estará livre e segura.
É claro que todas essas mudanças e passagens estão permeadas por situações que envolvem o biológico, o psicológico e o social existente na vida do individuo, e para que possamos compreender melhor estas etapas, neste capítulo discutiremos o desenvolvimento e a formação da identidade do adolescente.

Desenvolvimento humano

O início da vida de cada um de nós é marcado por uma série de acontecimentos físicos, cognitivos e psico sociais que têm seu início no momento em que somos concebidos. Nossa vida começa com uma única célula, não maior que a cabeça de um alfinete. Após nove meses, nascemos e incrivelmente nos tronamos um organismo complexo, composto por bilhões de celulas.
A partir dai, muitas transformações passam a acontecer: a cada dia o organismo humano vai se aperfeiçoando e caminhando para o seu pleno desenvolvimento.
Mas será que o ser humano chega a um momento em que não se desenvolve mais?
Essa é uma pergunta de díficil resposta. Muitos estudiosos afirmam que o ser humano se desenvolve por toda sua vida, pois está em constante relação com o mundo e, em cada momento, troca experiências e se modifica.
Já para outros estudiosos, o homem chega no seu pleno desenvolvimento quando chega à idade adulta.
Uma das mais importantes áreas que discute o desenvolvimento humano é a Psicologia e entre seus maiores teóricos está o psicólogo e biólogo suíço Jean Piaget que trouxe uma enorme contribuição para o conhecimento do comportamento humano com suas pesquisas. Entre tais contribuições, pode-se mencionar a compreensão mais profunda acerca do desenvolvimento infantil e juvenil.
Piaget defendeu que o desenvolvimento humano vai muito além do potencial inato da criança. Esse desenvolvimento, em sua maior parte, é ocasionado pela relação do individuo com o meio externo, que o afeta e o modifica, ao mesmo tempo em que esse individuo também é responsável por afetar e modificar seu ambiente. Para Piaget, a sociedade tem grande influência sobre o desenvolvimento das crianças e, o conhecimento que adquirimos resulta na maneira como modificamos e transformamos o mundo.
Ainda de acordo com Piaget, as crianças, lutando ativamente para dominar seu ambiente, constroem níveis de conhecimento sucessivamente mais elevados. Como se pode notar, as circunstâncias ambientais também contribuem substancialmente com o processo de desenvolvimento do indivíduo. Por isso, acredita-se que o ambiente/meio é o fator responsável por determinar de que modo e em que momento ocorrerão as mudanças na vida de uma criança.
Esse processo de desenvolvimento é marcado por uma série de estágios cuja ordem é a mesma para a grande maioria das pessoas, embora, como já dissemos, a idade do início e do término de cada fase possa variar. Eis, a seguir, as fases de desenvolvimento propostas por Piaget.

Periódo Sensório Motor: recém nascido e o latente de 0 a 2 anos

Principais características do período
  • Antecede o desenvolvimento da linguagem falada
  • A criança aprende a coordenar seus sentidos com o comportamento motor
  • O mundo é representado por meio de ações, ou seja, o conhecimento construído durante os dois primeiros anos de vida é um conhecimento físico, de noções sobre as características do objeto. Um bebê descobre um objeto do seu ambiente manipulando-o
  • Não existe função simbólica, ou seja, o individuo não apresenta o pensamento no sentido amplo, nem afetividade ligada a representações que permitam evocar pessoas ou objetos na ausência deles.
Nessa fase a criança elabora o conjunto das substruturas cognitivas que servirão de ponto de partida para as construções intelectuais posteriores.

Período pré-operatório: a primeira infância (de 02 a 07 anos)

No período conhecido como primeira infância, que se dá entre as idade de 02 e 07 anos, a criança adquire a capacidade simbólica. E por meio dessa capacidade o individuo torna-se capaz de realizar evocações representativas de um objeto que não está presente, ou, de um fato passado. Isto pode acontecer de cinco formas:
  • imitação diferida - imitar ou reconstruir uma cena presenciada;
  • jogo simbólico - fingir dormir, por exemplo;
  • desenho - imagem gráfica de um objeto;
  • imagem mental - imitação interior, ou seja, a criança é capaz de representar mentalmente (por meio da memória objetos, experiências perceptivas passadas;
  • linguagem - evocação verbal de acontecimentos;
Nesse período a criança lida com imagens concretas e estatíticas, sendo seu pensamento limitado pelos seguintes problemas:
concretude - a criança só consegue lidar com objetos concretos, por exemplo: se você pegar uma maça, cortar ao meio e perguntar para a criança quantos pedaços ela tem, ela responderá dois. Agora se você pedir para uma criança (nessa faixa etária) que imagine essa operação, ela terá dificuldade para responder.
irreversibilidade - a criança é capaz de organizar objetos, por exemplo: você apresenta à criança dois copos com a mesma quantidade de líquidos e coloca o líquido, de um dos copos, em outro recipiente mais fino e mais alto. A criança dificilmente irá responder que o líquido é o mesmo e que o que mudou foi o tipo de copo.
egocentrismo - o indivíduo não consegue se colocar no lugar de outra pessoa, ou seja, a criança acredita que todos pensam como ela e as mesmas coisas que ela.
centralização - o individuo nesse estágio só consegue prestar atenção a uma característica do objeto de cada vez, por exemplo; diante de duas fileiras de fichas, uma contendo dez fichas (fileira A), bem próximas uma das outras, e outra fileira contendo sete fichas (fileira B) organizadas com mais espaços entre elas, a criança irá dizer que a fileira B é maior que a fileira A, mesmo sabendo que dez é maior que sete.
raciocínio transdutivo (intuitivo) - a criança raciocina que se A causa B, então B causa A.

Período operatório concreto: dos 07 aos 12 anos

No período das operações concretas, o raciocínio da criança se torna lógico. Nesse momento, surgem os esquemas para as operações de seriação e de classificação e ocorre o aperfeiçoamento dos conceitos de casualidade, de espaço, de tempo e de velocidade. A criança também já pode focalizar sua atenção nas transformações que ocorrem com o meio a sua volta. O lado egocêntrico da sua personalidade perde força. Já a lógica regente do raciocínio transdutivo é relativizada, pois a criança percebe que ele nem sempre pode ser aplicado em seu cotidiano.
A conservação ou instinto de autopreservação já se faz presente ao indivíduo, bem como a capacidade de classificar e seriar.
A criança nesse período, ainda que esteja apta às operações de reversibilidade e descentralização, é incapaz de aplicá-las a situações abstratas. Nessa fase, a reversibilidade cumpre o fim de preparar o indivíduo para o período subsequente.

Período operatório formal: de 12 anos em diante

Essa fase marca o início da adolescência, momento em que o indivíduo desenvolve um refinamento intelectual que o torna apto a realizar operações mentais, não somente com objetos concretos, mas também com símbolos. Vejamos as principais características dessa etapa de desenvolvimento:
regulação da vida afetiva - surgimento de sentimentos idealistas, ou melhor, o jovem começa a aplicar o critério de pura lógica para julgar os eventos humanos. é é lógico, é bom, é correto;
autonomia - começa a surgir a reversibilidade do pensamento, ou seja, o indivíduo torna-se capaz de se colocar no lugar do outro, e por isso, passa a respeitar mais;
heteronomia - ou seja, o surgimento dos primeiros sentimentos morais e o respeito pelos mais velhos;
regra - passa a ser vista como um acordo entre duas ou mais pessoas, diferentemente das fases anteriores, em que regras são fixas, a criança joga para vencer, sem se preocupar com acordos ou atividades em equipes, em que é necessária a união do grupo.
a noção do companheirismo, estima, mentira e justiça (certo/errado)
O que vimos até aqui trouxe-nos informações para compreendermos as mudanças significativas que ocorrem na vida do indivíduo quando ele chega à adolescência.

Desenvolvimento do adolescente

Como já visto, o desenvolvimento do indivíduo abrange questões de âmbito biológico, psicológico e social. Nesse tópico vamos conhecer quais são essas transformações e quais suas implicações na vida do adolescente.
Iniciamos por conhecer melhor as transformações ligadas à maturidade biológica do adolescente.
Geralmente, após os dez anos de idade, a série de mudanças biológicas, chamada de puberdade, coloca o jovem em um estado de amadurecimento biológico que o torna capaz de se reproduzir sexualmente. Esse amadurecimento está ligado a uma série de trasnformações que se iniciam por um sinal químico do hipotálamo, localizado na base do cérebro. A partir desse sinal, a glândula da hipófise é ativada e aumenta a produção de hormônios do crescimento.
Segundo Cole (2003) além dos hormônios do crescimento, ocorre também a produção de dois hormônios gonadotróficos, ou seja, aqueles que são produzidos pelas gônadas sexuais. Essas gônadas ou órgãos sexuais primários, correspondem aos ovários, nas meninas, e aos testículos, nos meninos. Nele, esse tipo de hormônio estimula os testículos e as glândulas suprarrenais a produzirem a testosterona, hormônio responsável pela produção do esperma.
Na menina, a liberação dos hormônios de crescimento estimula os ovários a produzirem o estrógeno e a progesterona, responsáveis por controlar o processo de produção do óvulo até o momento que é liberado para a reprodução. Vale ainda ressaltar que tanto a testerona  como o estrógeno e a progesterona estão presentes em ambos os sexos, só que em proporções diferentes. Nos meninos, a testosterona é 18 vezes maior do que nas meninas, as quais, por sua vez, possuem uma quantidade de estrógeno 8 vezes maior que o sexo oposto.
As diferenças físicas entre homens e mulheres podem nos ajudar a compreender o motivo pelo qual os indivíduos do sexo masculino têm sido, tradicionalmente, os responsáveis pelos trabalhos mais pesados. Elas também ajudam a explicar o bom desempenho dos atletas masculinos, mesmo em frente à melhor das atletas femininas. entretanto, em alguns aspectos, as mulheres levam vantagens, exibem uma maior capacidade física do que os homens. Isso porque elas vivem mais tempo e têm maior capacidade de tolerar o estresse a longo prazo.
O ritmo das mudanças da puberdade depende das interações complexas entre fatores genéticos e ambientais. Em todas as sociedades, as mudanças biológicas, próprias da puberdade, têm um profundo significado social e psicológico, tanto para os jovens como para a comunidade que estão inseridos.
Além das mudanças de caráter biológico, na adolescência também ocorrem alterações no modo como os jovens interagem com seus familiares, amigos e colegas. De acordo com Cole, esses indivíduos passam por uma profunda reorganização de seus relacionamentos sociais. Essa reorganização envolve quatro mudanças importantes:
  • aumento da interação com os amigos e colegas. nessa fase, os jovens aumentam significativamente o tempo que passam com seus colegas, não lhes restanto muito tempo para passarem com seus familiares;
  • diminuição do controle de suas ações por parte dos adultos;
  • aumento da aproximação com indivíduos do sexo oposto;
  • aumento do número de colegas, amigos e conhecidos, tendo em vista a preferência dos adolescentes por compartilhar seus interesses, valores, crenças e atitudes.
Como se pode observar, na adolescência é comum o indivíduo vivenciar um número bem maior de relacionamentos do que quando era criança. Dessa forma, os adolescentes tornam-se mais distantes de seus pais e, geralmente, recorrem a seus colegas e amigos quando precisam de algum conselho ou opinião. Entretanto, a qualidade do relacionamento entre pais e adolescentes está ligada a muitos fatores.
Geralmente, os pais buscam estruturar as realidades de seus filhos com aquilo que possuem de melhor para que o jovem se desenvolva como se espera. Já os jovens.por outro lado, buscam suas próprias realidades, seus próprios sonhos e desejos, e tentam estabelecer certa autonomia de pensamento com relação a seus progenitores.
Tudo isso gera um grande conflito entre pais e filhos jovens, sendo que estes últimos acabam se sentindo presos a dois mundos, quais sejam, o da dependência infantil e da responsabilidade adulta.
Por mais díficil que seja o diálogo entre pais e filhos e, mesmo que haja bastante resistência dos jovens em acatar as ideias dos mais velhos, vão destacar que esse tipo de diálogo possui grandes influência na vida do adolescente o qual, numa situação de dificuldade, acaba relembrando os conselhos e conversas familiares para tomar decisões importantes.
Por isso, os pais precisam ser muito cuidadosos com o tipo de relacionamento que estabelecem com seus filhos. Estudos realizados por Andrew Fuligni e Jacqueline Eccles em 1993, com alunos do Ensino Fundamental II, mostraram que a duração do tempo que os adolescentes destinavam aos amigos dependia de como o comportamento de seus pais mudava em resposta ao seu crescimento. Se o pais se tornavam mais rígidos à medida que seus filhos iam se aproximando da adolescência, estes recorriam mais aos amigos. Em contrapartida, quando os pais incluíam seus filhos nas decisões familiares e respeitavam suas ideias, estes já passavam menos tempo com os amigos.
Fica claro que os conflitos existentes entre pais e filhos intensificam com o inicio da adolescência. é importante que os pais fiquem atentos a estas alterações físicas e emocionais de seus filhos e que ambos encontrem uma maneira de negociar a independência do jovem, de modo a lhe garantir direitos iguais e responsabilidades condizentes dom a sua idade para que ele possa se tornar um adulto íntegro.
Para os adolescentes, essa é a fase caracterizada por uma crise de identidade na qual se deparam com questionamentos sobre o corpo, valores existentes, escolhas a serem feitas, o que lhes é exigido e o seu lugar na sociedade.
Pouco a pouco o adolescente vai se afastando de sua infância e contruindo um novo eu. é o início de uma nova organização pessoal e social, cheia de rebeldias, rupturas, contestações que exigem uma reflexão sobre os valores que o cercam e sobre o mundo.

TEXTO COMPLEMENTAR:

Neste esquema, apresentamos as interfaces da temática identidade com os temas transversais dos parâmetros Curriculares Nacionais como proposta para educadores sugerida por Serrão e Baleeiro (1999)

Temática
Temas Transversais
Meio Ambiente
Perceber, apreciar, valorizar a diversidade natural e sociocultural, adotando posturas de respeito aos diferentes aspectos e formas do patrimônio, étnico e cultural.
Pluralidade cultural
Conhecer a diversidade do patrimônio etnocultural brasileiro, tendo atitude de respeito para com pessoas e grupos que o compões, reconhecendo a diversidade cultural, como um direito dos povos e dos indivíduos elemento de fortalecimento da democracia.
Valorizar as diversas culturas presentes na Constituição do Brasil como nação, reconhecendo sua contribuição no processo de constituição do brasileiro.
Reconhecer as qualidades da própria cultura, valorando-as criticamente, enriquecendo a vivencia de cidadania.
Saúde
Adotar hábitos de autocuidado, respeitando as possibilidades e limites do próprio corpo.


    Dica de Estudo: Para uma maior compreensão do tema aqui abordado recomendamos o livro Seis Estudos de Psicologia, de Jean Piaget, sendo que a primeira edição é de 1967, pela editora Forense Universitária.

Nenhum comentário:

Postar um comentário