Primeira Parte
Fundamentos Teóricos e Metodológicos
A avaliação emancipatória tem dois objetivos básicos: iluminar o caminho da transformação e beneficiar as audiências no sentido de torna-las auto determinadas. - Ana Maria Saul
No espaço escolar, não deveria a atividade de avaliação ser construída, antes de tudo, como uma prática pedagógica a serviço da aprendizagem? - Charles Hadji
Para se tornar uma prática realmente nova, seria necessário, entretanto, que a avaliação formativa fosse a regra e se integrasse a um dispositivo de pedagogia diferenciada. - Philippe Perrenoud
O que podemos aprender com Saul (1988, 1992, 1999) sobre o paradigma da avaliação emancipatória e com Hadji (2001) e Perrenoud (1999) sobre o significado da avaliação formativa na escola? Como esta autora e estes autores nos auxiliarão a pensar nossa prática avaliativa cotidiana e (re) criá-la numa perspectiva formativa e emancipadora?
Esse texto procura fornecer subsídios para esta empreitada educativa, colocando nas nossas mãos a responsabilidade de transformar a avaliação que existe em nossas cabeças, no dia a dia da escola, permeando nossas práticas, em práxis transformadora - em conhecimento-emancipação.
Vamos relembrar o que é um paradigma:
"O termo paradigma está sendo utilizado na mesma acepção a ele atribuído por T. S. Kuhn (1970), um conceito abrangente com significado semelhante à visão de mundo (...) Um paradigma prescreve áreas de problemas, métodos de pesquisa e padrões de solução e explicação aceitáveis pela comunidade acadêmica que o adota. " (Saul, 1998, p. 53)
Apesar de o paradigma da avaliação emancipatória ter uma vinculação mais direta com a avaliação do currículo e de politicas educacionais, vamos verificar que ele se torna fundamental para a construção de uma proposta de avaliação da aprendizagem, comprometida com um projeto de escola substancialmente democrática.
Num primeiro momento, dialogaremos sobre os pontos fundamentais do paradigma da avaliação emancipatória, enriquecendo a discussão com algumas proposições de Tijiboy (1996).
Em seguida, analisaremos dois relatos, uma parábola e um caso real. Esta reflexão nos impulsionará a estudar sobre a avaliação formativa, na visão dos autores citados e compreender como na prática escolar ela não pode ser desvinculada de uma avaliação emancipadora.
Avaliação emancipatória
Pode-se considerar como um marco na ruptura dos modelos tradicionais/autoritários e das experiências de avaliação de inovações educacionais (avaliação iluminativa e responsiva) o paradigma avaliação emancipatória, de autoria da professora Ana Maria Saul e publicada no Brasil em 1988. Esse paradigma é, na linguagem da própria autora, "um desafio à teoria e à ´prática de avaliação e reformulação de currículo."Conceito
Para essa autora, "a avaliação emancipat´roira caracteriza-se como um processo de descrição, análise e crítica da realidade, visando transformá-la." A sua destinação é a "avaliação de programas educacionais ou sociais". A vertente em que está situada é a "político-pedagógica cujo interesse primordial é4 emancipador, ou seja, libertador, visando provocar a crítica, de modo a liberar o sujeito de condicionamentos de terministas." A avaliação emancipatória tem como compromisso principal "fazer com que as pessoas direta ou indiretamente envolvidas em uma ação educacional escreva a sua própria história e gerem as suas próprias alternativas de ação". (Saul, 1988, p.61)Objetivos
"Iluminar o caminho da transformação e beneficiar as audiências no sentido de torná-las autodeterminadas." (Saul, 1988, p.61)- O primeiro objetivo indica "o compromisso da avaliação com o futuro que se quer transformar".
- O segundo objetivo parte do pressuposto que "esse processo pode permitir que o homem, através da consciência crítica, imprima uma direção às suas ações nos contextos em que se situa, de acordo com os valores que elege e com os quais se compromete no decurso de sua historicidade" (Saul, 1998, p. 61)
Fontes:
O paradigma da avaliação emancipatória Saul, 1998, 1999) apoia-se em três fontes, que são:- Avaliação democrática - fundamentada nas proposições de Barry MacDonald (1977)
- Crítica institucional e criação coletiva - baseada na proposta de investigação criada e aplicada pela equipe do Indonep a partir de 1970 e publicada e coordenada por Michel Seguier, em 1976.
- Pesquisa participante - na concepção de Fais Borda (1980) em especial quanto à utilização dos seis príncipios: autenticidade e compromisso, anti-dogmatismo, restituição sistemática, feedback aos intelectuais orgânicos, ritmo e equilibrio de ação-reflexão, ciência modesta e técnicas dialogais (...)
Palavras Chaves
- Emancipação
- Decisão Democrática
- Transformação
- Crítica educativa
É importante relembrarmos que a educação que é produzida pela escola não se concretiza num vazio cultural, nem fora de um determinado contexto político. Por isso, o diálogo é fundamental quando se precisa descrever o que está acontecendo, fazer a sua crítica e criar coletivamente propostas que possam ser assumidas com autonomia por todos os educadores e educadoras, educandos e educandas da escola.
Alguns estudos de Tijiboy (1995) sobre a avaliação educacional/escolar vêm reafirmar a relevância do diálogo no desenvolvimento de uma avaliação numa perspectiva emancipadora.
Avaliação como diálogo: reflexão, ação, transformação
A avaliação é comprendida como síntese de múltiplas determinações sociais e culturais, numa perspectiva de totalidade. O diálogo é tanto o objetivo como o método desta perspectiva de avaliação; a reflexão sobre a própria vida, nossos projetos e ações; o diálogo que estabelecemos com o passado e com o futuro, analisando criticamente o presente, gerando novas ações - tudo converge para esta unidade na diversidade: a reflexão, ação, transformação.
Precisamos conhecer uns aos outros
As pessoas que fazem parte de um processo de comunicação devem conhecer os outros envolvidos para captar e refletir os significados sociais que estão implícitos no contexto de trabalho. Esta ação comunicativa possibilita a identificação dos elementos estruturadores da situação, permitindo miminizar ou eliminar os elementos alienantes do contexto.Como realizar isto na prática?
Começando pela criação de grupos de reflexão
- Construindo um espaço de discussão - a construção do espaço de discussão é primordial, pois, através dele, efetiva-se a comunicação não alienada e não alienante, base da relação dialógica e do fortalecimento das interações contrutivistas. A comprensão da pesquisa, como movimento dialético de reflexão-ação-reflexão ampliada, possibilita um novo tratamento da informação e um nova convivência entre os sujeitos.
- Criando grupos de reflexão e pesquisa - a criação de grupos de reflexão e pesquisa no interior da escola, o exercício reflexivo de observação do cotidiano escolar e das práticas pedagógicas de sala de aula contribuem para a construção de um saber crítico, desvelando a escala como organização social educativa.
- Produzindo o saber emancipatório - o saber emancipatório fortalece o poder individual e coletivo;/ o saber comunicativo desenvolve a linguagem e o entendimento crítico entre as pessoas, e o saber instrumental possibilita a explicação causual do trabalho ou do serviço prestado (Tijiboy, 1995, p.65)
Vamos dialogar sobre esse tema, contando com a participação de cada um de vocês. Observem o roteiro de estudo.
Apresentaremos três relatos de situações do cotidiano escolar relacionadas á avaliação. Vocês devem analisá-las cuidadosamente.
Em seguida, apresentaremos alguns destaques dos estudos de Philippe Perrenoud e Charles Hadji sobre a Avaliação Formativa. Precisamos que cada um/uma de vocês circule as palavras chaves e/ou expressões que marquem a diferença entre esta abordagem e as abordagens tradicionais ou outra de natureza positivista.
Juntos construiremos uma síntese que possa nos ajudar a rever e recriar nossas práticas em sala de aula.
Vamos aos relatos:
São três relatos muito ricos e nos ajudarão a refletir sobre o que é uma abordagem formativa na avaliação
Relato 1. Avaliação no processo ensino-aprendizagem (uma fábula)
Conta-se que os bichos resolveram criar uma escola, porque o meio em que estavam vivendo começava a se tornar cada vez mais complexo, e que já não podiam mais viver socialemente bem com seus conhecimentos inatos. Aqui temos a necessidade que deu a origem esta escola. Eles precisavam de uma escola que os preparassem para enfrentar as novas estruturas e desafios do ambiente que se modificava muito rápido.Foi escolhido um corpo docente ótimo: todos com grandes títulos universitários e boa experiência. De modo que isto envaidecia a todos. Para esta escola, organizaram o seguinte currículo, levando em consideração o que cada professor dominava e considerava de melhor: nadar, correr, voar, galgar morros e superar impecilhos.
Os primeiros alunos foram o cisne, o gato, o coelho, o cachorro e o pato. Eles começaram o curso. Cada professor estava preocupado apenas com a sua disciplina e cuidava para garantir o ensino de todos os conteúdos e habilidades planejados. Eles não abriam mão das exigências, pois acreditam, assim, estavam valorizando as suas titulações.
Os alunos, ao contrário, iam se desencantando com a tão almejada escola. Vejamos o caso particular de cada um:
- O cisne nas aulas de correr, de voar, de subir morro, apesar de todo esforço era mau aluno. Tirava notas péssimas. E mostrava os pés ensanguentados nas corridas e as asas com calos... A partir daí, ele começou a nadar com dificuldade, coisa que era exímio.
- O coelho por sua vez, padecia nas aulas de nadar e voar. O que o salvava eram as matérias de correr, galgar morros e superar empecilhos, quando estes estavam em nível do solo. Já tinha acumulado notas baixas. Mas ninguém podia ficar dispensado de nenhuma matéria. O currículo era oficial.
- O gato tinha alguns problemas semelhantes aos do colega anteriores, principalmente quanto a nadar e voar. Ele pedia ao professor que o deixasse voar de cima para baixo, que ele daria um jeitinho. O professor não permitia, pois o programa ditava que ele deveria ser avaliado, levantando-se de baixo para cima - decolando do solo. Ficou reprovado nesta matéria. Quando a nadar, ele aprendeu a "nadar cachorrinho" e conseguiu passar "se arrastando". Estava ansioso por não cumprir as exigências e dizia que aquele currículo não estava ajudando a melhorar a vida deles.
- O cachorro estava quase na mesma situação que o gato. Um pouco melhor na natação, mas reprovado na matéria de voar, apesar de ser exímio na corrida e ter ótimas notas nas outras matérias.
- O pato, finalmente, era um aluno "medíocre" em tudo, na visão dos colegas: voava um pouquinho, corria mais ou menos, nadava até bem, muito menos que o cisne, é claro; subia morro at´´e com desembaraço, mas se atrapalhava todo com obstáculos. Cada animal tinha uma queixa a fazer, pois sempre havia um aluno que fazia melhor as coisas que ele, porém, só ele não tinha reprovação em alguma matéria. Os professores o elegeram o melhor da turma e o nomearam orador, sob insatisfação geral dos outros animais.
- Os outros animais iam depender do conselho de classe, da "bondade, da "concessão", do "bom humor" dos professores para saber se iriam passar ou não de ano.
Relato 2 - História de Tom-Tom
(Fato Verídico)Tom-Tom tem cinco anos e chega desesperado à escola todos os dias. Bate num, chuta o outro, empurra a mesa, chora desamparado quando por fim recebe um soco - de algum maior - de volta.
Nas primeiras semanas de trabalho, para poder controlá-lo, tive que andar de mãos dadas com Tom-Tom e, na maioria das vezes, com ele nos braços: "encangado na cintura".
-Tom-Tom, vem cá. Você é meu boneco Fom-Fom. Toda vez que você vier para o meu colo, você vai virar o meu boneco. E o meu boneco vai me ajudar! Logo você, que eu sei que pode fazer muitas coisas! Vem logo!
E, veloz como um macaco, subia, "encangava na cintura".
No meu colo, ele dava papel para as outras crianças, dava lápis, agradava meu cabelo... E às vezes também brigava lá de cima!
-Tom-Tom, você esqueceu que você aqui (no colo) é o meu boneco Fom-Fom?
Só no colo, junto do afeto, Tom-Tom se acalmava. Foi vivendo este outro lado bom, do boneco que era querido, que ajudava a mim e aos outros, que Tom-Tom foi descobrindo outro jeito de ser.
Ao mesmo tempo, explorei de tudo que fazia para mostrar-lhe que podia virar outra coisa. Enquanto amassava folhas que encontrava, propus-lhe que fizéssemos bolos de vários tamanhos, para ceiarmos depois.
De tudo que destruía, eu transformava numa atitude construtiva. Com o grupo procurei atiçar a descoberta de Tom-Tom "trabalhador", cooperativo, chamando atenção para a sua força, enquanto carregava pulhas de tijolos da casinha.
Também trabalhei com os pais no sentido de verem o outro Tom-Tom (o pai foi um dia conversar comigo para dizer-me que, se precissasse, poida dar uns tapas no Tom) e em todas as ocasiões que Tom conseguia produzir, trabalhar, mandeu bilhetes salientando o que havia conquistado.
Certo dia, na hora do pneu, gritos chamando por mim: corro. Chego e deparo com Tom-Tom com um caco de vidro na mão, pronto para atirá-lo numa das crianças. Perco a cabeça e grito-lhe:
- Tom-Tom! Jogue já este vidro no chão ou senão pode ir embora e não voltar mais nessa escola!
Parado com o braço levantado, o vidro na mão, parecia que via um videotape de sua vida conosco. Momento de duvida, de avaliação. E, de repente, num gesto brusco e rápido, jogou o vidro no chão.
Abracei-o, carreguei-o no colo, gritei para todo mundo:
- Tom-tom vai ficar na escola! Trabalhar nesta escola, ficar com a gente. Optou por nós! Ele rindo, abraçado, "encangado na cintura", brilhando pelo salão...
Reflexão da autora: paixão alegre, desejos da vida, dão muito trabalho, porque gestados no conflito, nas diferenças, no heterogêneo, no desiquilibrio das hipóteses, no choque do velho e do novo, na mudança, na transformação, no enfrentamento do caos da ação criadora, na ação do imaginar, sonhar os desejos juntamente com os outros. (Um sonho que se sonha só é só um sonho, um sonho que se sonha juntos, é realidade). Estar vivo é estar em conflito permanentemente, produzindo dúvidas, certezas sempre questionáveis.
Relato 3 - O desafio de Marina
(Experiência de uma professora da 4a. série do Ensino Fundamental de uma escola pública)
Marina, professora formada em Pedagogia. Possuía vários cursos de aperfeiçoamento oferecidos pela Secretária Municipal de Educação e outras instituições qualificadas. Ela ensina Língua Portuguesa e Ciências, pois era as disciplinas que mais gostava e "dominava".
Certo dia, ela combinou com seus alunos que eles fariam um trabalho de pesquisa na área de Ciências, mas que ela também avaliaria o uso adequado do Português. Toda a turma concordou e marcaram o dia da presentação e da entrega dos trabalhos, individualmente.
Carlos, um de4 seus alunos mais quietos e com aproveitamento "regular" na sua visão, apresentou um trabalho sobre como evitar a transmissão de doenças pelos ratos. Trouxe fotos de parentes seus que tinham tido várias doenças, apresentou entrevistas com essas pessoas e outras da comunidade e montou um pequeno livrinho com conselhos práticos para evitar as doenças e procurar cuidados médicos. A professora observara que, pela linguagem dos desenhos e pela desenvoltura da criança - tudo tinha sido feito por ela. Na hora dos debates, foi o assunto que mais provocou perguntas e Carlos sabia responder com firmeza e entusiasmo.
Carlos entregou o trabalho escrito, neste dia. E o que aconteceu? Quando Marina foi corrigir o trabalho escrito, qual foi a surpresa! A redação estava precária, com muitos erros de concordância e de ortografia, apesar de o conteúdo estar correto e corresponder a tudo o que foi falado em sala. Ela tinha percebido que, durante a apresentação, aqui e ali, Carlos apresentava alguns problemas no uso adequado da Língua Portuguesa, mas como isto era comum entre as crianças e algumas professoras... ela própria se apercebia falando "problemas" ou usando pronome nós seguido do verbo na terceira pessoa (vícios de linguagem? Questões culturais?).
Marina ficou com um dilema. Tinha definido com a turma as regras para a avaliação do trabalho. Os critérios de avaliação em Língua Portuguesa pareciam estar claros. O que fazer?
O trabalho de Carlos era relevante do ponto de vista curricular, pois além de apresentar os conteúdos socialmente válidos tinha "brilhado" na exposição, e seus colegas haviam aprendido "ciência e realidade social". Porém quanto à parte escrita, ele iria tirar uma nota muito baixa.
Marina resolveu, então, avaliar os outros trabalhos. Verificou que dos 35 alunos, apenas 6 apresentaram uma boa redação. Sempre apareciam problemas. E o trabalho do Carlos, continuava a ser o mais relevante do ponto de vista das contribuições orais na área de Ciências para a via, e na parte escrita, um dos piores.
Marina tomou a seguinte atitude: reuniu a sala e explicou sobre o problema, em geral. Trocou ideias, pediu sugestões. Solicitou aos alunos que se posicionassem. Houve unanimidade quanto ao fato de que "o trabalho de Carlos" tinha sido o melhor porque abordou uma questão social, e a turma tinha aprendido muito com ele e que, se a turma estava escrevendo errado, precisavam aprender a fazer certo. Os alunos e as alunas, em várias linguagens, estavam pedindo para aprender - desejosos de aprender.
Marina respeitou a decisão do grupo: valorizar o trabalho como um todo para as duas matérias. Mas, ela sabia que isto resolveria uma questão formal da avaliação e deixaria sua consciência em paz por algum tempo, mas não solucionaria o problema de aprendizagem da Língua Portuguesa. Ela pensou e chegou à conclusão de que não resolveria aquela questão sozinha. Levou o problema para a reunião e, depois de muita discussão, convenceu as colegas (de 1a. a 4a. séries) a desenvolverem um projeto de "ensinagem": todo mundo investiria no ensino dinâmico e agradável de produção de textos, da recriação individual e coletiva dessas produções e, no final do trimestre, cada aluno escolheria sua "melhor" produção para integrar uma pequena coletânea de textos (por série). Este projeto foi assumido por todos da escola (de 1a. a 4a. série). Não estava relacionado a notas, mas fazia parte da avaliação global do aluno. Foi um entusiasmo geral. Comprovou-se que além de escreverem melhor (do ponto de vista formal), os educando estavam mais envolvidos com as diferentes áreas do conhecimento, produzindo textos mais criativos e com informações cientificas e culturais muito valiosas. A questão da oralidade também estava sendo aperfeiçoada. Esta metodologia foi incorporada pela escola e integra a abordagem formativa da avaliação.
Após esta reflexão, vocês com certeza, já contruiram um conceito de avaliação formativa, mas vamos trazer algumas contribuições de Perrenoud e Hadji para enriquecer nosso diálogo. Avaliação formativa (contribuições de Perrenoud).
Vamos pensar um pouco sobre as contribuições de Perrenoud (1993) para a construção do conceito de avaliação formativa. Ele faz algumas ênfases:
- mudar a avaliação é fácil de dizer e tentativas são feitas, mas o difícil mesmo é permitir que "mexam na minha avaliação";
- a questão central é a natureza das mudanças que devem ocorrer na escola, nos processos educativos dentro e fora da instituição, na própria sala de aula. Nem todas as mudanças têm o mesmo valor democrático.
- modificações relativas às escalas de avaliação quantitativa ou à construção de novas escalas, incluindo posicionamento qualitativos; o regime da média, o intervalo entre as provas, a valorização dos itens de testes são aspectos fáceis de alteração. Porém, nada disso afeta radicalmente o funcionamento didático ou o sistema de ensino.
- as mudanças que estão aqui postas em discussão vão muito mais longe no sentido de ruptura com os modelos tradicionais, quantitativistas e a afirmação da avaliação formativa;
- uma avaliação formativa ajuda o aluno a aprender e o professor a ensinar. "A idéia base é bastante simples: a aprendizagem nunca é linear, precede por ensaios, por tentativas e erros, hipóteses, recuos e avanços; um individuo aprenderá melhor se o seu meio envolvente for capaz de lhe dar respostas e regulações sob diversas formas " (Perrenoud, 1993 p.173);
- alguns procedimentos avaliativos - identificação dos erros, sugestões e contra sugestões, explicações complementares, revisão das noções de base, trabalho sobre o sentido da tarefa oua autoconfiança.
- o contrato didático - Perrenoud lembra que há necessidade de elaborar um contrato didático para garantir o essencial do processo pedagógico: aprender e ensinar, na perspectiva de formação plena dos alunos e das alunos e dos professores e professoras, numa perspectiva democ´ratica. Ele explica que são muitas as dificuldades para desenvolver uma avaliação formativa, mas que um coletivo pedágogico forte pode concretizar muitas ações para construí-la.
Podemos observar que são práticas que, realmente, conseguimos realizar em nossas salas de aula e na escola em geral.
É possível (re)criar uma avaliação formativa:
- considerando os erros e obstáculos como ocasiões de aprendizagem;
- trabalhando-se explicitamente a relação com o saber e o sentido do trabalho escolar;
- não se imputanto culpas, ou transferindo responsabilidade de alguma dificuldade do aluno à sua própria pessoa, à sua família, etc, mas, analisando criticamente as condições de aprendizagem (a situação como um todo);
- reconhecendo que não se aprende sozinho e que certas competências são coletivas ou exigem, pelo menos, uma forma de cooperação;
- aceitando-se todas as questões dos alunos, sem estigmatizar nenhuma, nem faze-la voltar contra seu autor.
- analisando sua atuação docente e aprendizagens dos alunos em conselhos de classe, buscando construir uma relação de parceria com os outros professores, para a melhoria do ensino e da aprendizagem;
- desenvolvendo-se uma cultura que permita a coexistência e a cooperação de alunos desiguais, com respeito mútuo;
- congregando os pais como parceiros do processos avaliativo, procurando não lhes impôr um dado padrão pré estabelecido sem a sua participação;
- reconhecendo que a negociação democrática é uma metodologia válida para construir uma abordagem formativa na avaliação.
Charles Hadji (2001) problematiza o próprio conceito de avaliação e demonstra que ele precisa ser desmistificado, em duplo sentido:
- avaliar não é medir;
- avaliação formativa não se pode construir como algo permanente ou como decisão de um professor ou grupo de professores ou ainda por decreto
- a comunicação - a avaliação é essencialmente um processo e um problema de comunicação. Ela precisa ser construída formativamente;
- oposição ao modelo de psicometria - necessidade de uma abordagem sociocognitiva e qualitativa;
- a avaliação é socialmente condicionada - a avaliaçao só constroi em função da historia das interações do professor com os alunos; da historia escolar, da historia social! (...);
- a intencionalidade formativa - precisa haver uma intencionalidade formativa, para além da regulação do processo ensino-aprendizagem;
- a vinculação ao projeto político-pedagógico - ela é movimento - a avaliação não é formativa por acaso, ela se torna formativa, vinculada a um projeto pedágogico explicito, construído coletivamente;
- a avaliação deve estar a serviço das aprendizagens dos alunos - a metodologia da avaliação formativa caracteriza-se por desencadear aprendizagens, observar e interpretar essas aprendizagens, comunicar e informar os resultados com a máxima transparência e participação dos envolvidos no processo para apresentar uma apreciação final;
- as dificuldades são fontes de aprendizagem, e a formatividade só acontece quando são remediadas e/ou reorientadas - a avaliação só se define como formativa, quando a partir das dificuldades analisadas, há um propósito de remediá-las, de reorientação do processo, de construção de novas alternativas para a efetivação da aprendizagem significativa;
- a construção coletiva e declarada de critérios (alunos e professores) orienta a auto-avaliação - a construção de critérios de avaliação, compartilhadamente, é fundamental para que se compreenda os propósitos do ensino, para que se tenha clareza das aprendizagens a serem perseguidas e, em especial, para possibilitar aos alunos a compreensão de seu próprio processo de aprendizagem: exercitarem a autoavaliação;
- a pluridimensionalidade metodológica (técnicas e instrumentos) com intencionalidade formativa - a avaliação deve se apoiar numa variedade de técnicas e instrumentos e acompanhar os processos de ensino e aprendizagem em diferentes momentos de sua realização;
- a formulação dos exames e deus resultados sujeitos à análise crítica - problemas de entendimento do aluno, das respostas esperadas pelo professor e daquilo que realmente o aluno é capaz de fazer naquele momento do exame devem ser seriamente analisados. Os resultados devem ser contextualizados e servirem de base para a ressignificação do processo de ensino e aprendizagem;
- contrução do referente da avaliação - a avaliação é uma leitura que implica a construção de um modelo reduzido do objeto a ser avaliado. A avaliação sempre informará muito menos do que o aluno realmente sabe fazer/aprendeu.
Para Hadji a avaliação formativa é uma utopia que deve ser perseguida por todos os educadores que se comprometem com a aprendizagem de seus alunos - sua formação plena. Ela deve fazer parte do cotidiano de nossas ações, porque a todo instante está se fazendo, ou por se fazer.
Ela se chama a atenção para três pontos, decorrentes da proposição de que a avaliação não é medida:
- a avaliação inscreve-se em um processo de comunicação e negociação;
- por referencia à sua característica essencial, é uma operação de confronto, de correlação, entre expectativas e uma realidade - entre o existente e o desejado/esperado;
- o julgamento de valor destina-se a atores sociais. "O lugar que se conseguirá na sociedade será, em parte função do valor escolar, apreciado e proclamado pela escola, apreciado e não medido (...) " Hadji, 2001, p. 49
Cappelletti afirma que a avaliação é uma situação do aprender num projeto educacional como ação consciente, reflexiva e crítica, que se destina à promoção do homem, histórica e circunntancialmente situado, oferencendo-lhe condições de pensar, de se ver, de optar e de autorealizar-se."
A partir dos estudos desta autora, podemos destacar:
- a avalição faz parte do processo de aprender;
- a avaliação que o professor faz dos alunos deve estar diretamente articulado à autoavaliação;
- a autoavaliação não se faz no vazio, ela faz parte da proposta pedagógica construída com a participação dos alunos em sala de aula, diretamente articulada ao projeto da escola;
- a avaliação é um processo participativo, autoreflexivo, crítico e emancipador;
- a função da avaliação é problematizar a propria ação e ressinifica-la emancipadoramente. Ela ilumina decisões.
Para esta avaliação comtemplaria um processo abrangente de analise de desempenho do aluno, dinamica, critica, criativa, cooperativa, pressupondo acompanhamento constante e levando em conta as diversas dimensões da atuação do aluno. Desse modo, subsidiaria a tomada de decisões e a melhoria da qualidade do ensino e enfatizaria um aspecto diagnóstico, processual, informando os protagonistas da ação para seu aperfeiçoamento constante.
Analisando o paradigma da avaliação emancipatoria e as discussões que fizemos sobre a formatividade da avaliação e a avaliação formativa, podemos perceber que uma não pode ser construída sem a outra. A avaliação que defendemos e queremos construir é uma prática avaliativa ético crítica que articula as diferentes dimensões e áreas do currículo, do projeto de escola, das práticas pedagógicas de sala de aula.
Pelos caminhos da avaliação existem possibilidades concretas de a escola se reconstruir democrática, reconstruindo a própria avaliação, denotando-a de formatividade e emancipação.
Olá, daria para você disponibilizar as referências completas dos textos utilizados, por gentileza?
ResponderExcluirAgradeço antecipadamente.
Foi copiado da apostila "Avaliação Educacional" da autoria de Targélia de Souza Albuquerque
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