Falar sobre o Judaísmo no singular permanece um
desafio porque são múltiplas a pluralidade das interpretações da Torá, e assim elas devem
permanecer, mas também porque a pluralidade das formas concretas de viver este
Judaísmo são bastante diversas. Ainda que as normas de comportamento ensinadas
pela lei (Halakhah) sejam
supostamente aplicáveis a todos os judeus, muitos deles se isentam destas com
frequência. Ninguém tem, portanto, o monopólio do alcance exato da palavra
"judaísmo". No entanto, neste breve estudo, gostaria de propor uma
reflexão sobre um termo que creio poder aliar e orientar estas diversas
expressões do Judaísmo: o da esperança.
De fato, mesmo uma leitura superficial da Torá
mostra que o texto nunca faz da resignação ao infortúnio, por mais extremo que
seja, o ponto final em que o fracasso se estabeleça. Mesmo em suas terríveis Lamentações, que descrevem em detalhes
sombrios a destruição do Templo de Jerusalém, o profeta Jeremias, cuja alma,
segundo o mesmo, tinha despencado sobre ele, diz de repente o seguinte:
"Todavia, lembro-me também do que pode dar-me esperança: Graças ao grande
amor do Senhor é que não somos consumidos, pois as suas misericórdias são inesgotáveis.
Renovam-se cada manhã; grande é a tua fidelidade! Digo a mim mesmo: A minha porção é o Senhor;
portanto, n’Ele porei minha esperança." (3:21-24). Estas palavras não
significam de modo algum que o profeta acredite que num tempo futuro a situação
que está vivendo naquele momento será finalmente resolvida e que a felicidade
voltará para ele. Ou, ainda, que a "bondade" do Senhor se assemelha a
uma consolação ou a uma compensação depois de tantas provações. Isto
equivaleria a confundir esperança com a ideia de que as aventuras temporais que
causam tanto sofrimento acabarão por desembocar em um resultado positivo, mesmo
à custa daqueles que perdem as suas vidas no seu desenrolar. Isto também
equivaleria a não compreender o sentido desta "bondade", porque ela
não é bem a que gostaríamos de receber para nós mesmos, mas, sim, aquela com a
qual nos encontramos ou aquela que somos capazes de oferecer. Mas onde podemos
encontrar essa força quando a vertigem do desespero faz tudo tremer?
A esperança de Jeremias está, portanto, ligada à
"renovação" da bondade do Senhor. A palavra hebraica para esta
bondade é hesed, isto é, um dom de
amor incondicional, um dom que se renova todos os dias, no mais íntimo de cada
criatura, sem, no entanto, se assemelhar a uma felicidade, a um sucesso, a uma
cura, enfim a tudo aquilo que desejamos ardentemente quando sofremos. Mas, precisamente, querer dar um objeto
definido à nossa esperança é fazer com que se perca a renovação. A esperança é
experimentada a cada momento em que, apesar da nossa angústia, se renova para
nós, em nós, o "foi bom", até mesmo "muito bom", da criação
(Gn, 1). Que esta palavra, nunca repetida, apesar da assustadora profundidade
do mal feito e do mal sofrido, continue a habitar os psiquismos, esta seria a
esperança. Esperança não demonstrável por argumentos convincentes, esperança
sem razão para esperar, esperança que não faz parte de nenhuma pregação, mas
esperança de que tantas vidas dão testemunho na humildade dos seus dias.
Na perspectiva de Jeremias, e da Torá em geral,
parece-me que a esperança é pensada e experimentada, não como garantia de uma
finalidade feliz, mas como proximidade reencontrada com esse ponto de bondade
pré-originária que nos leva a pensar, e, portanto, a experimentar que, por mais
terrível e horripilante que seja o mal que atormenta e aflige com sua
angústia, ele não é "o contemporâneo, o igual e o irmão gêmeo do
bem", ele está "abaixo, inferior ao Bem" (LEVINAS, 1972, p. 89).
Isto significa que a esperança está ligada à certeza de que é possível, agora,
mesmo quando as trevas ameaçam, aproximar do coração da renovação diária da
criação este ponto de bondade. Trata-se de um segredo esquecido, enterrado nas
profundezas do psiquismo humano e combatido por ele quando este acredita que
nada na história o ratifica? Ou, ainda,
quando ele prefere acreditar que se o mal obscurece a realidade em todos os
níveis onde ela se expressa - espiritual, psíquico, intelectual e material - é
porque o mal é definitivamente mais forte que este bem?
Os inúmeros crimes humanos, seus infortúnios tantas
vezes espantosos, parecem de fato provar-nos a ilusão de tal esperança. No
entanto, como diz ao seu modo a filósofa Eliane Amado Levy-Valensi, este
obscurecimento e revestimento do bem pelo mal não conseguem desencorajar os
humanos. Os mais justos, mesmo que permaneçam desconhecidos, estão sempre
prontos a limpar um pouco de espaço - em si mesmos, em suas relações com os
outros e no seu desejo de Deus - através do qual o bem poderia finalmente
iluminar o mundo e permitir que as criaturas dessem graças, apesar de suas
tragédias. Isso pode ser conseguido através de pensamentos, através de palavras
e ações que combatem as tarefas do desespero, da mentira e da crueldade. Mas,
para assim proceder, esses humanos devem também descobrir como a Unidade
primeira continua a habitar neles, no mais secreto de si mesmos. Isto fica
difícil porque, para realizá-lo, é necessário também desejá-lo e, para
desejá-lo, é preciso força e graça, de tanto a fragmentação da realidade
parecer sem solução diante de todo tipo de males que a danificam. O ser humano,
então, esquece muitas vezes que "a realidade de Deus se revela nele
mesmo", segundo a intuição dos místicos (LÉVY-VALENSI, 1962, p. 170).
Ora, na minha opinião, é esta esperança, seja qual
for o modo concreto de pensá-la e de
experimentá-la, que acompanhou os judeus ao longo de sua história. O
"corpo-a-corpo com o mal" (LÉVY-VALENSI, 1962, p. 164) que eles
tinham que enfrentar tão constantemente andava de mãos dadas com uma extrema
tenacidade para não ceder a ele, como se se tratasse de um destino
intransponível. Por outro lado, tratava-se de "escolher a
vida" (Dt, 30,19), uma vida em aliança com a palavra que diz "está
bem" – e, assim, apesar do medo, até mesmo do assombro pelo mal. Se as
testemunhas judaicas desta esperança
suscitaram tanto denegrimento, inveja e ódio, é também porque, de fato e de
direito, esta esperança diz respeito a todos
os seres humanos, incluindo, naturalmente, aqueles que a recusam.
"A revelação feita a Israel diz respeito à
humanidade inteira", explica assim Eliane Amado Levy-Valensi (1962, p.
603), é toda a humanidade, e toda vida singular, que necessita de uma
temporalidade orientada por esta palavra "foi bom", isto é, pela paz
e aliança que ela convida a acontecer entre as criaturas, enquanto o mal não
cessa de crescer e prosperar na forma de divisão e hostilidade, confusão e
niilismo. Mas o Ocidente cristão não teria muitas vezes sucumbido à tentação de
condenar os seres humanos ao seu desamparo, ensinando que eles não poderiam
fazer nada sem Salvador? O Judaísmo, em seus mais diversos componentes, por
outro lado, não pleitearia, mesmo sem seu conhecimento, a causa da
possibilidade do ser humano em participar dessa obra de redenção através de
suas ações, palavras e pensamentos?
A vingança antissemita que ainda ressoa tantas vezes
e que se enfeita com mil e uma razões, aliás contraditórias, recusa que esta
esperança diga respeito a todos os seres humanos. Ora, um destino humano não é o de uma "força que
segue" completamente indiferente a tudo que não seja ela, nem consiste em
repetir um infortúnio recebido como herança durante sua própria vida, nem mesmo
em transmiti-lo a seus descendentes. Há
certamente um "fatum
inicial" cujas vidas todas são marcadas e certamente ele não se desvanece
por si só; porém, ele pode ser superado por uma história criativa, graças ao Eu que dela emerge e graças às inovações
de que se torna capaz. É nisso que consiste a esperança. Mas, para se chegar
até ela, é necessário também que este Eu
encontre as alteridades e polaridades que o enfrentam, que as reconheça mais do
que queira dominá-las, assimilá-las ou destruí-las. O judaísmo ensina que, para
conseguir cada dia mais uma vez, e especialmente, é claro, quando a fadiga, a
confusão e a tristeza correm o risco de ganhar sua aposta destrutiva, é
aconselhável continuar, dia após dia, mantendo o ouvido aberto às palavras
"foi bom" (tov), enterradas no mais secreto de nosso psiquismo.
Enquanto o fizermos, a aliança manter-se-á firme, apesar de tudo o que está
vindo, que parece defender a causa contrária.
Catherine Chalier, Belo Horizonte, v. 17, n. 52, p. 15 Dossiê: Judaísmo: religião, cultura, nação – Editorial
REFERÊNCIAS
CHALIER,
Catherine. Lire la Torah. Paris: Seuil, 2014.
LEVINAS,
Emmanuel. Humanisme de l’autre homme.
Paris: Fata Morgana, 1972.
LÉVY-VALENSI, Éliane Amado. Les
niveaux de l’être: la connaissance et le mal. Paris : Presses
Universitaires de France, 1962.
, Belo Horizonte, v. 17, n. 52, p. 15
[1] Tradução de Leonardo
Meirelles Ribeiro, Doutor em Filosofia pela UFMG e professor substituto na
mesma universidade.
[2] Filósofa e tradutora
francesa, autora de várias obras sobre as relações entre o pensamento hebraico
e a filosofia. Professora emérita de filosofia na Universidade Paris Ouest
Nanterre La Défense. País de origem: França. E-mail: chalc@club-internet.fr
[3] Estritamente falando, a
palavra Torá, que significa ensinar, corresponde ao Pentateuco, no sentido
amplo da Bíblia como um todo. Também distinguimos entre a Torá escrita, o
próprio texto, e a Torá oral, Torah ché
béal Pé (a Torá que está na boca, que inclui todos os comentários,
incluindo o Talmude ou a Cabala, mas também os comentários filosóficos que se
desenvolveram a partir dela). Veja meu livro: Chalier (2014).
, Belo Horizonte, v. 17, n. 52, p.
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